O problema da eficácia da sentença
Em artigo com o título supra, Carlos Alberto de Oliveira volta a tratar da classificação das sentenças por seus efeitos, ou melhor, da eficácia das decisões judiciais de mérito (Revista de Processo, São Paulo, 112: 9-22, out-dez/2003).Reporto-me, inicialmente, a artigo que escrevi, na década de setenta, (O problema da classificação das sentenças por seus efeitos. Revista da Consultoria Geral do Estado, Porto Alegre, (14): 41-80, 1976), em que fiz aprofundado estudo do tema.Trato agora de expor as conclusões do Prof. Oliveira, arrematando com minhas recentes reflexões sobre o assunto.A tutela declaratória só pode se relacionar com a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica (excepcionalmente: falsidade de documento). A declaração de um mero fato ou do alcance de uma norma jurídica abstratamente considerada, hipóteses em que não se verifica incidência concreta da norma jurídica sobre o suporte fático, comprometeria a garantia de ampla defesa do demandado, seja porque um mesmo fato pode ser relevante para inúmeros e diversos efeitos jurídicos, seja porque a norma geral e abstraía pode ser aplicada numa séria indefinida de situações concretas.A tutela executiva lato sensu diz respeito apenas à passagem para a esfera jurídica de alguém o que nela devia estar, e não está - linha divisória entre a tutela executiva lato sensu e a tutela condenatória (Pontes de Miranda) —já a realização da tutela condenatória, ao agredir patrimônio de terceiro, genérico e indefinido, requer, por hipótese, maiores possibilidades de defesa (princípio da segurança) e assim processo autônomo de execução.A tutela mandamental, embora atue como a executiva lato sensu, por meio de emissão de ordens do juiz, desta se diferencia porque age sobre a vontade da parte e não sobre o seu patrimônio. Assim o exige a situação jurídica substancial porque a natureza da obrigação não recomenda, dentro da idéia da maior efetividade possível, o emprego da tutela condenatória.Realmente, tanto a tutela executiva lato sensu quanto a mandamental atendem ao princípio da maior efetividade possível. Basta pensar em relação a esta última que o resultado específico não poderia ser obtido mediante a simples condenação, porquanto conduziria apenas à obtenção do equivalente em dinheiro, com o emprego dos meios sub-rogatórios de execução.De outro lado, não parece adequado confundi-las com a tutela condenatória sob o argumento de que esta também contém ordem de prestação, variando apenas a forma de realização.  :E isso porque a sentença condenatória não contém ordem de cumprimento da prestação, mas somente juízo de reprovação. Trata-se apenas de exortação ao cumprimento da obrigação, tanto é assim que o descumprimento não está sujeito a qualquer sanção penal ou civil.Pretende-se, ainda, como já foi ressaltado no início deste ensaio, que a sentença mandamental constitui título para a execução forçada, tanto quanto a condenação ordinária - e assim é também uma condenação, só se diferenciando no conteúdo da sanção imposta em seu segundo momento, na qual se exacerba o fator comando, ou mandamento Todavia, a diferença está no próprio conteúdo da sentença, porque os dois verbos mandar e condenar são totalmente distintos, com conseqüências jurídicas distintas: o mandamento atua sobre a vontade do demandado, por meios de coerção, a condenação tende a atuar sobre o patrimônio, em outro processo futuro (efeito executivo da condenação), mediante meios sub-rogatórios. Ora, segundo a melhor doutrina, na primeira hipótese não se trata de verdadeira execução, porque a satisfação do credor é obtida com a colaboração do devedor, constrangido a cumprir sua obrigação para evitar males maiores.Cumpre ainda sublinhar que as cinco espécies de tutela (declaratória, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva lato sensu) constituem todas fenômenos jurídicos, mas é preciso considerar que as sentenças declaratórias e constitutivas satisfazem por si mesmas a pretensão processual, sem necessidade de qualquer ato material futuro: a condenatória fica a meio caminho, criando apenas as condições jurídicas, com a constituição do título executivo, para que tal possa ocorrer em processo autônomo e independente, dito de execução: as duas últimas satisfazem no mesmo processo, por meio de atos materiais, realizados depois da sentença, aptos a produzir alterações no mundo fático.Finalmente, em se cuidando de tutela mandamental ou executiva lato sensu, o ofício jurisdicional só se considera cumprido e acabado com a realização do direito reconhecido na sentença. O art. 463 do CPC implica apenas veto a que depois de publicada a sentença de mérito possa o juiz alterá-la.Observo:Quanto à tutela declaratória. De regra, o juiz afirma a incidência de normas jurídicas sobre uma dada situação de fato. Por exceção, há afirmação apenas de fato na declaração da autenticidade ou falsidade de documento (CPC, art. 4º, II) e afirmação apenas de direito nas ações diretas de constitucionalidade. Como curiosidade: a sentença, na ação de investigação de paternidade, não é declaratória de fato: portanto, é constitutiva da situação jurídica de filho, com efeitos ex tunc, o que, aliás, é particularmente verdadeiro nos casos em que o fundamento da sentença não corresponde à verdade dos fatos.Quanto à distinção entre declarar e constituir. As sentenças declaratórias e constitutivas têm de comum a circunstância de que ambas são bastantes em si: “satisfazem por si mesmas a pretensão processual, sem necessidade de qualquer ato material futuro”. As sentenças constitutivas criam estado jurídico novo. É escassa a utilidade da distinção entre essas sentenças, mesmo porque a certeza jurídica decorrente de sentença declaratória pode ser considerada como novo estado jurídico.Não se diga que as sentenças declaratórias produzem efeitos ex tunc e as constitutivas, efeitos ex nunc, porque estas podem produzir efeitos desde a data da propositura da ação, ou da citação, da sentença, de seu trânsito em julgado, ou de qualquer outro momento previsto em lei ou fixado pelo juiz. Mas as sentenças, ditas declaratórias da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma jurídica, devem ser classificadas como constitutivas, já que admitida, por lei, a possibilidade de produzirem efeitos ex nunc.Quanto à tutela condenatória, executiva e mandamental. As sentenças condenatórias, executivas e mandamentais têm de comum a necessidade de superveniente ato material, que é de agressão ao patrimônio do réu, nos dois primeiros casos. A sentença mandamental impõe, ao réu ou a terceiro, determinada conduta. Execução, em sentido restrito, significa tirar bens do devedor para satisfazer o credor. Definindo-se como execução (em sentido amplo) toda sentença que exija superveniente prática de ato material, apaga-se a distinção entre sentenças executivas e mandamentais. Costuma-se definir como executiva lato sensu a sentença que permite agressão ao patrimônio do réu no mesmo processo em que ela foi proferida. É o caso das ações de despejo, de reintegração de posse e de desapropriação. Trata-se, via de regra, da passagem para a esfera jurídica de alguém de algo que nela deveria estar, mas nada impede que se criem outros casos de execução no mesmo processo. A sentença condenatória não constitui mera “exortação ao cumprimento da obrigação”, o que implica negar-lhe eficácia jurídica. Ela é constitutiva de peculiar estado jurídico: permite agressão ao patrimônio do réu, embora subordinada à propositura de outra ação, de execução.Tem-se emprestado excessiva importância ao “problema da classificação das sentenças por seus efeitos”. São poucas as conclusões práticas que dela se podem extrair. Não raro, ocorre o contrário: são as conclusões práticas, e não a natureza da sentença, que determinam seu lugar na classificação, como no exemplo, já referido, das ações diretas de inconstitucionalidade, que devem ser classificadas como constitutivas, porque podem produzir efeitos ex nunc, não obstante a persistente afirmação de sua natureza declaratória.Trata-se de uma classificação, útil para efeitos didáticos, mas da qual não se podem extrair conclusões “científicas” inarredáveis.Tex.pro - Páginas de DireitoComentários dos visitantesDe: Jean Carlos Sgariaartigo de muita valia, como estudante de direito sempre procuro artigos para meus estudos. Como acadêmico procuro me atualizar sempre,tem muitos sites que a pesquisa favorece quem paga, não acho certo esta colocação quanto ao pagamento do saber, mas estamos no mundo capitalista, temos que se adequar a ela.Em 05.06.05De Aline RodriguesArtigo de importância. Embora o autor tenha tratado o tema com uma visão geral, é objetivo, claro e de fácil leitura e compreensão. Leitura que nos introduz e inspira a conhecer, ainda mais, sobre as novas técnicas processuais pós-modernas que visam a dar maior efetividade à prestação jurisdicional.Em 30/04/07Página encerrada para novos comentários em 30/04/07
TESHEINER, José Maria Rosa Tesheiner. O problema da eficácia da sentença. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 3, nº 71, 29 de Março de 2003. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/o-problema-da-eficacia-da-sentenca.html

