11.03.15 | Arruda Alvim

Notas sobre o Ius Possessionis e o Ius Possidendi e sua Proteção no Processo ?? (ausência de sucessão na posse e a ação de imissão na posse)* ** ***

SUMÁRIO: 1. Traços característicos e peculiaridades da posse: 2. As categorias do ius possessionis e do ius possidendi: 2.1. Juízo possessório e juízo dominial: 3. O instituto da sucessão particular em direito e sua análise no plano das relações que ocorram no âmbito do ius possessionis: 3.1. A sucessão universal e sua projeção no plano possessório ----- no que diz respeito à posse ----- sistema que refoge da teoria possessória do Código Civil: 4. Não existe sucessão singular na posse, tal como existe sucessão singular em direitos e obrigações: 5. O papel significativo de Alois Brinz no tema, através de análise que conduziu ao entendimento de que não há sucessão (singular) na posse, ao retornar ao tema: 6. A ação de imissão na posse ----- entre outras ----- se assenta no ius possidendi.

 :1. Traços característicos e peculiaridades da posse

 :A posse é instituto dos mais complexos do direito, complexidade essa que se tem mantido ao longo dos tempos, e tem ensejado a elaboração de diversas concepções a respeito, onde avultam, à base da grande maioria dos desenvolvimentos teóricos e das disciplinas de direito positivo, os traços originários e marcantes das concepções subjetiva e objetiva.

Deve-se fundamentalmente ter presente que o universo dos direitos sobre a titularidade do direito à posse (ius possidendi) não é necessariamente o universo das situações possessórias (ius possessionis), ainda que ambos se possam dizer contíguos e normalmente as situações possessórias estejam acomodadas dentro de situações jurídicas. [1] Não sem freqüência, todavia, a situação possessória deixa de corresponder àquilo que “deveria ser” em face de uma situação obrigacional ou de uma situação de direito das coisas. Por outras palavras, essas duas últimas situações não repercutem sempre e necessariamente ----- : tal como se tratasse de causa e efeito -----  :na modificação da situação possessória, a qual, àquelas “deveria corresponder”: ou seja, no sentido de que a uma situação jurídica (de titularidade jurídica do direito à posse) corresponderia a respectiva situação possessória.

Diz ilustre autora em relação ao direito romano clássico o seguinte: “Não há dúvida de que no direito romano clássico a posse não era concebida como exercício de fato de um direito real, senão que como poder sobre a coisa, como simples senhoria, hegemonia material sobre a coisa'. [2]

Num dos ângulos básicos e significativos da visão possessória de Savigny ------ depois de colocar a questão consistente em se estabelecer se a posse é fato ou direito ------ este autor afirma que a posse, em si mesma, deve ser havida como um fato puro, em relação ao qual, todavia, encontram-se atreladas conseqüências de direito. Em realidade, mais explicitamente, a dúvida consiste em saber se a posse é mero fato, ou, se é fato, e também direito. Estas afirmações ensejaram oportunidade para vasta literatura. [3] A concepção de Savigny ----- em relação ao fundamento em razão do qual se protege a posse ----- teve como pano de fundo a inspiração, certamente, do pensamento de Kant [4] e a noção de liberdade deste último, de tal forma que o fundamento da proteção possessória era o de manter incólume a esfera de liberdade do possuidor e a agressão a essa situação de liberdade, é que justificava a defesa da posse. [5] Ihering, de sua parte, sustentou que a razão de ser da proteção possessória era o próprio direito de propriedade. [6] Para Alfredo Fedele essa visão de Ihering teria decorrido de influência do direito canônico. [7]

2. As categorias do ius possessionis e do ius possidendi

A não necessária correspondência de uma situação possessória a uma titulação a essa externa e que a justificasse ou legitimasse perante o direito ----- para além da legitimidade da situação possessória -----, é que é o objeto do ius possessionis. Ao ius possessionis é desnecessária uma legitimação externa, que tenha como referencial a ordem jurídica, além do que se refira à posse mesma, senão que esta protege a posse por ou em si mesma. A ordem jurídica não exige um título para justificar a posse ou para titular o possuidor, como tal, senão que se contenta com a situação possessória mesma, e, a identificação daquele como o controlador material da coisa. O ius possessionis envolve, sempre, uma situação possessória ou de controle material da coisa, ou, se se quiser, da possibilidade desse controle material. E, ainda, o ius possessionis, por si mesmo, é objeto de proteção pela ordem jurídica.

Historicamente sempre se verificou a separação entre a posse como fato e situação jurídica. E a posse, como situação de fato, de que defluem conseqüências previstas pelo direito, foi sempre objeto de disciplina própria. [8]

A separação entre a matéria dominial e a possessória é de origem romana, e, no direito romano foi havida como autêntico axioma, diferentemente do direito germânico em que não havia claramente essa distinção. É o que informa Berthold Delbrück, [9] dizendo a partir da regra romana Nihil commune habet proprietas cum possessione, que “[essa regra ou axioma] é um princípio fundamental no direito romano, que, em rigor, tem a natureza de um axioma…:” - no original: “… ist ein Fundamentalsaß des römischen Rechts, der so sehr die Natur eines Axioms hat, (…).”

2.1. Juízo Possessório e Juízo Dominial

No que diz respeito ao juízo possessório e ao juízo dominial, tendo em vista a existência de previsão legal de penetração de alegações próprias de um juízo dominial no juízo possessório, ou, por outras palavras, à possibilidade de alegação de matéria direito (=título) no juízo possessório, dispunha o art. 505, do Código Civil de 1916, restritamente, admitindo essa possibilidade.

O Código Civil em vigor, no seu art. 1.210, § 2º, coincide com o resultado da evolução sofrida, a partir do Código de Processo Civil (art. 923) em relação ao Código Civil de 1916, e, com o disposto na Lei 6.820/80: ao cabo dessa evolução (ano de 1980), [10] o Código de Processo Civil, no seu art. 923, : 2.ª frase, deixou de estabelecer (porque revogado pela Lei 6.820/80, como se acentuou): “Não obsta, porém, à manutenção ou reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa”. Este texto coincidia com a primeira parte do art. 505, do Código Civil de 1916, sem a ressalva da segunda parte deste [“...Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”], [11] e, foi o texto vigente imediatamente anterior ao atual Código Civil, separando os juízos possessório e dominial, resumindo-se a dispor que “Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento do domínio” (art .923, caput).

Já o ius possidendi diz respeito, diferentemente, à legitimação de um direito à posse, que deve recolher seu fundamento, não na situação possessória em si mesma, senão que em relação ao ordenamento jurídico, em função de um título em que se expresse esse direito à posse. [12]

São, por isso, historicamente conhecidas as duas categorias do ius possessionis e do ius possidendi, que informam a teoria possessória, sendo referenciais que se projetam, respectivamente, no âmbito das ações possessórias stricto sensu e no âmbito das medidas em que se postula, com base em um direito, o direito à posse.

A do ius possessionis é abrangente das situações em que a posse se apresenta como fato, do qual decorrem conseqüências jurídicas: em que a posse vale por si mesma: mas, em relação a essa situação de posse, não se indaga a respeito do seu fundamento, externo à posse, que a justifique, senão que, a posse nesta hipótese justifica-se a si própria (possuo, porque possuo, ou, possuo como possuía: possideo quia possideo).

As ações possessórias stricto sensu gravitam em torno dessa situação do ius possessionis, dado que, nos processos em que a situação possessória fica amoldada às possessórias stricto sensu é essa situação desligada da invocação, ou, mais precisamente, da própria possibilidade de invocação (ao menos, útil) de um direito à posse. A discussão ou a lide do processo fica circunscrita à posse mesma, compreendendo as conseqüências que derivam diretamente da ocorrência de um ilícito possessório. O juiz poderá examinar títulos de domínio, apenas e tão somente, para entender a situação possessória. [13] O plano de discussão e avaliação da situação possessória é como situação de fato (situação possessória, exclusivamente), ou seja, fundamentalmente, tendo em pauta o ius possessionis e não o ius possidendi. [14] Nada impede que haja referência ao direito, mas isso há de ser feito apenas com vistas ao esclarecimento da situação possessória (ad colorandum et corroborandum possessorium). Não é o direito que estará sendo julgado, senão que a situação possessória, esclarecida e entendida por dados que possam advir da titulação que expressa o direito, apenas, para entendê-la, mas não para que o direito influa além disso.

Nos tipos de ação possessória stricto sensu não se perquire a fundamentação do direito de possuir ----- que é externa à própria posse e que depende de um título assentado no ordenamento jurídico -----, senão que a proteção existe para a posse, que é o seu próprio “título”, enquanto posse e em si mesma considerada, e porque a situação possessória de controle material sobre a coisa resultou violada (esbulho), ou perturbada (turbação), ou, ainda, quando há ameaça de que possa vir a ser cometido um ilícito possessório. [15]

Estas ações podem-se dizer que existem com esse perfil, desde sempre, e a circunscrição do processo à posse, ou a mera posse e o que dessa derive, parte do pressuposto de que a posse nada tem a ver com o direito de propriedade, ao menos, para ser objeto de proteção se violada a posse, o que é um princípio do direito romano: ou, ainda, por razões análogas que decorrem da afirmação precedente, que nada tem a ver com direito real. É o princípio se encontrava estampado no art. 505, do Código Civil de 1916, primeira parte: e, é igualmente, o que está hoje no Código Civil, no seu art. 1.210, § 2º [16], sendo que, desde 1980, já era essa a situação no direito brasileiro, ou seja, a de radical separação entre os juízo possessório e o dominial.

Para melhor compreensão do que se disse, devemos rememorar que o Código Civil de 1916 dispunha, no art. 505 (primeira frase), tendo como pano de fundo a separação entre posse e domínio (= propriedade sobre coisa) que “não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre coisa”: sucessivamente, nesse art. 505 (segunda parte), se dispunha que “não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio.” [17] Tratava-se de dispositivo controvertido [18] , no qual se abrigava a exceção de domínio no sistema anterior (exceptio dominii).

O Código de Processo Civil, em seu art. 923, continha similar previsão, que revogara a segunda parte do art. 505, do Código Civil de 1916, mas em que se manteve o princípio desse art. 505, segunda parte. Mas esse texto foi revogado pela Lei 6.820/80 [19], que deu nova redação a este dispositivo (redação que permaneceu até a entrada em vigor do Código Civil de 2002), através da qual subsistiu, apenas, a primeira frase. O que se entendia, de forma predominante e corretamente, é que a vigência do CPC a partir de 1973, por obra do seu art. 923, revogou o art. 505, segunda parte, do Código Civil de 1916 e a exceção de domínio teria passado a ser regulada, inteiramente, pelo CPC, ainda que substancialmente mantidas as exceções no âmbito da separação dos juízos dominial e possessório.

Mais adiante no tempo, com a supressão da exceção de domínio do art. 923, CPC, pela nova redação atribuída a este texto pela Lei 6.820/80 [20] , a separação passou a ser absoluta: cogitou-se de que essa exceção de domínio não encontraria mais previsão no sistema, na medida em que o Código Civil de 1916 – art. 505, na época, não teria sido restabelecido, posição esta correta. [21] Trata-se de discussão que não tem mais serventia, senão que a de demonstrar que o Código Civil filiou-se ao mesmo entendimento que o precedeu imediatamente, e que não inovou no assunto.

Atualmente, como se disse, com o novo Código, Lei nº 10.406/2002, é curial não haver mais exceção de domínio no direito brasileiro, pois a regra do art. 1.210, § 2º guarda sintonia com o último estágio da precedente evolução legislativa.

É, igualmente, princípio aceito em diversos sistemas de direito comparado.

Essa é a situação no direito alemão, mesmo precedentemente ao Código Civil. Essa distinção sempre esteve presente no direito alemão, despontando ao distinguir-se juízo petitório e juízo possessório. Von Bayer, em obra clássica, denominava de ação petitória aquela em que se decide a respeito de um direito, ao passo que nas ações possessórias decide-se, exclusivamente, sobre posse, enquanto fato, verbis:

“a. Conceito e diferença do assim chamado Possessório em relação ao Petitório. Posse e Direito são sabida e conceitualmente diferentes, e pode ser que alguém esteja na posse de uma coisa, em hipótese em que, todavia, o direito a ele não pertença, senão que ao Proprietário. Será, então, a posse defendida por um meio judicial, de tal forma que nesse processo versará sobre a questão de saber quem é o possuidor, …, sem indagação se a esse cabe um direito” [22]

É também a situação do direito francês há muito tempo. Esta é basicamente a orientação do Code de Procedure Civile francês, que assim dispõe no seu art. 1.265 [23] :“A proteção possessória e a ‘base’ (ou, o fundo do direito, o título da posse) do direito não podem ser jamais cumulados. O juiz pode, todavia, examinar os títulos para o fim de verificar se as condições da proteção possessória encontram-se presentes. As provas não podem conduzir à ‘base’ do direito”. O art. 1265 é tradicional no direito francês. [24] - [25] À semelhança do que se reconhece no direito italiano, i. e., sua filiação ao engrandecimento do princípio do spoliatus ante omnia restituendus, diz-se no direito francês que essa regra é “corollaire de la protection possessoire.” [26]

É também a situação histórica do direito italiano, que, no sistema atual atenuou um pouco a inviabilidade de propositura da ação dominial enquanto subsistir a pendência da ação possessória. No direito italiano vigente, ainda que mantido o princípio, alterou-se para menos a extensão dessa vedação. No Código de Processo Civil de 1865 vedava-se, tanto ao autor, quanto ao réu, a propositura de ação reivindicatória, se pendente ação possessória.

No direito vigente, reza o art. 705 do : Código de Processo Civil [27] : “O réu no juízo possessório não pode instalar juízo petitório, até que o primeiro juízo [o possessório] se torne definitivo e a decisão resulte não cumprida. O réu pode, todavia, instalar juízo petitório demonstrando que a execução da decisão do juízo possessório não pode cumprir-se por fato do autor”. [28] No art. 705, primeira frase [primo comma] do Código de Processo Civil italiano [29], encampa-se princípio significativo de que essas regras são manifestações do princípio spoliatus ante omnia restituendus. [30] Não se vislumbra, ademais, prejudicialidade entre o possessório em relação ao petitório, senão que, uma forma de reforçar a tutela : possessória, sendo esse um princípio de ordem pública. [31] Esse é também o entendimento no direito espanhol. [32]

3. O instituto da sucessão particular em direito e sua análise no plano das relações que ocorram no âmbito do ius possessionis

No instituto da sucessão particular ----- que se distingue do da sucessão universal ----- o que ocorre é que aquele que sucede assume o lugar precedentemente ocupado pelo que é sucedido, por isso que, a situação jurídica de que este último era titular, passa, inteiramente, para o sucedido.

O que incumbe aflorar, em relação a esta parte do tema é a indagação consistente em saber, ----- num negócio jurídico em que esteja implicada ou prometida mesmo a transferência da posse, realizado aquele -----, se há também, em relação à posse, sucessão na posse (na posse antecedente), tal como igualmente se passa em relação ao objeto do negócio jurídico, ou seja, tal como ocorre com os direitos e obrigações, objeto do negócio jurídico. Em nosso sentir, essa sucessão na posse, não ocorre, de tal forma que o negócio jurídico não implica uma sucessão na posse: ou então, para que o cessionário venha a ter posse, é necessário que a entrega da posse nele prevista, haja de efetivamente ter ocorrido no plano dos fatos. O que derivará do negócio jurídico, em tal hipótese, é a sucessão no ius possidendi, ou seja, o direito de possuir é que se transfere, e não a posse mesma. Justamente, de resto, porque ius possidendi é um direito (que recolhe sua fonte externamente à posse), e, a posse, enquanto controle material efetivo (ainda que possa ser considerada um direito), é essa posse que se justifica a si própria, quando existente, e, sem controle material não há posse.

Não há propriamente sucessão na posse (sucessão material na posse, na precedente posse), no contexto de uma situação de sucessão particular, como se procurará demonstrar mais abaixo.

Julgamos que esta circunstância está presente na base da distinção entre ação de reintegração de posse e a ação de imissão na posse, cabendo aquela para a recuperação de posse pelo que tenha sido precedentemente vítima de esbulho (e, por quem teve posse necessariamente entendida como o precedente controle material da coisa): se teve posse, esta lhe deverá ser devolvida: ao passo que, a imissão tem cabimento para o autor vir a ter posse, o que significa que esse autor nunca a teve (enquanto precedente controle material da coisa), mas à qual tem direito. Aquela sedia-se no âmbito do ius possessionis, e, por meio desta última, postula-se o direito à posse (ius possidendi). Aquela é uma ação possessória stricto sensu, e, esta é uma ação não possessória, ainda que o pedido seja o de obtenção da posse. [33]

Tendo havido um negócio jurídico, em que também tenha sido ajustada a transferência da posse, se esta não ocorrer, conquanto realizado o negócio jurídico, terá havido sucessão singular em direitos e obrigações, mas não na posse. [34] No âmbito dessa sucessão poderá constar o direito à sucessão na posse, mas, em realidade, isso deverá ser entendido com um direito a vir a ter posse, salvo, curialmente, se ocorreu materialmente a assunção do controle material da coisa ou o início da posse pelo cessionário. É por isso que, em tal hipótese, não cabe àquele a quem a posse haveria de ter sido transferida ----- e, por hipótese não o tenha sido-----, ação de reintegração de posse [35] ----- seja em relação àquele que haveria de ter transferido a posse, seja em relação a terceiro (que deverá ter uma relação com o alienante ou o que está indicado para transmitir a posse), que esteja na posse, indevidamente [36] ----- , porquanto essa cabe para recuperação de precedente posse, por aquele que foi o desapossado. Recupera-se ou se reintegra alguém na posse que precedentemente tinha. Já na hipótese aqui figurada, se aquele a quem se haveria de ter feito a tradição não recebeu a coisa, e, pois, nunca teve posse, nem pelo fato de ser sucessor em direitos e obrigações, tem titulação para a ação de reintegração de posse.

3.1. A sucessão universal e sua projeção no plano possessório – sistema que refoge da teoria possessória do Código Civil

Em relação à sucessão universal as implicações são diferentes, no plano da posse, a começar porque o próprio sistema da sucessão universal, se considerado em função da situação possessória, daí decorrente, não guarda relação com o sistema possessório, propriamente dito, ou com o sistema do Código Civil, em relação à posse, o que, de resto, é igualmente constatável em outros sistemas jurídicos. [37] A situação descrita no art. 1.784 do Código Civil vigente, a que corresponde o art. 1.572, do Código Civil de 1916, foi objeto de Projetos de Código Civil, antecedentemente ao Código Civil de 1916, e sucessivamente a este. [38]

Foi pelo Alvará de 9 de novembro de 1754 que se introduziu o princípio da saisine que subsiste atualmente no art. 1.784 do Código Civil, como forma de não deixar uma herança acéfala ou despida de titularidade atual, estabelecendo-se ex lege essa titularidade (propriedade ou co-propriedade e posse ou composse, do herdeiro ou co-herdeiros). O princípio da ‘saisine’ é de origem polêmica, sob certos aspectos, mas a regra le mort saisit le vif procura não permitir juridicamente um hiato entre a morte e a assunção da herança, motivo pelo qual ‘herdeiro’ e ‘defunto’ são uma única pessoa para fins de sucessio possessionis, [39] ou seja, “heres et defunctus una eademque persona esse intelliguntur” – (“herdeiro e defunto devem ser entendidos como uma [e mesma] mesma pessoa”). [40] A origem do princípio é germânica. [41] E, ainda, deve-se acrescer, trata-se de princípio consagrado no direito positivo de diversos sistemas, como se disse. [42]

Diferentemente do que se passa com a sucessão universal, o sucessor singular pode, ou não, unir a sua posse atual à do seu antecessor, para fins de usucapião, [43] o que não colide com a afirmação anteriormente feita de que a posse, fisicamente e enquanto controle material da coisa objeto da posse, não pode ser havida como transferida por virtude e pelo exclusivo meio previsto em negócio jurídico, tal como se transferem direitos e obrigações. De resto, unir-se a posse atual à precedente, demonstra que a atual não teve solução de continuidade em relação à precedente.

O sucessor universal é quem assume a posição do de cuius, [44] em relação a toda herança ou a parte dela, dependentemente de haver um ou mais de um herdeiro, ou, legatário. Nessa situação, de mais de um herdeiro, serão considerados condôminos, no que é expresso do Código Civil (art. 1.791, parágrafo único). E, em relação a essa situação, a proteção possessória é disciplinada pelo art. 1.314, do mesmo Código Civil, [45] como, ainda a legitimidade ancora-se no art. 1.784, e, especialmente, no art. 1.791, parágrafo único.

Legatário é aquele que, também por causa da herança, assume uma posição de sucessor a título singular, porque particularizado o bem, ou seja, em relação a uma ou mais coisas determinadas. Mas o regime através do qual se transfere a posse é praticamente o do regime da sucessão universal, mas não idêntico.[46] Se a titulação do herdeiro, em relação à posse que foi do de cuius, é decorrente do fato da morte deste ----- ainda que isso por ser ignorado pelo herdeiro: já em relação ao legatário há diferença, em relação ao momento de poder assumir a posse. É necessário em relação ao legatário terem-se presentes as regras do art. 1.923, caput e do seu § 1º, in verbis: “Desde a abertura da sucessão, pertence ao legatário a coisa certa, existente no acervo, salvo se o legado estiver sob condição suspensiva. § 1o Não se defere de imediato a posse da coisa, nem nela pode o legatário entrar por autoridade própria” (no mesmo sentido, oCódigo Civil de 1916, art. 1.690, par. ún.). O § 1º, do art. 1.923, refere-se à posse enquanto controle material da coisa: se essa posse vier a ser negada ao legatário, coloca-se a questão consistente em saber se a ação que lhe cabe é a de reintegração na posse, ou, diversamente, se haverá de propor ação de imissão na posse, uma vez que nunca teve posse. A nossa impressão é a de que ao legatário, para obter a posse da coisa, cabe a ação de imissão na posse. Em rigor, pelo disposto no § 1º, do art. 1.923, a posse deve ser entregue ao legatário. Diferentemente se passa em face da regra do art. 1.784, dado que, aqui, a posse é, pela morte, transferida ao herdeiro, como, ainda, esse entendimento encontra apoio na própria literalidade desse último texto, que se refere a essa transferência da herança, “…desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”, sem menção ----- o que vale exclusão, na hipótese ---- do legatário.

Em a sucessão ocorrendo em decorrência da morte, o o objeto da aquisição pelo legatário será a título singular ----- porque em relação a coisa individualizada ----- e a transmissão da posse não é rigorosamente igual à do herdeiro (no particular do momento do controle material ou de sua possibilidade): mas, o legatário, tal como o herdeiro continua a posse do de cuius, com o caráter que precedentemente tinha. É o que está no art. 1.206 do Código em vigor (praticamente idêntico ao art. 495, do Código Civil de 1916). A situação possessória do herdeiro é a que tinha o de cuius, [47] de tal forma que, se houver pessoas com posse direta (locatário, comodatário, usufrutuário, etc.), a posição do herdeiro será aquela que tinha o de cuius, ou seja, haverá de respeitar essas situações como o de cuius, se o caso. Mas, diferentemente da sucessão singular, se, v g., extinguir-se o comodato, será a ação de reintegração de posse que caberá ao herdeiro ----- e, não a de imissão na posse ----- , entendimento este que se compadece com a regra do art. 1.784.

Se o que se passa com a sucessão universal é uma continuação da posse, os herdeiros (e, por isso mesmo, também os legatários) a recebem com o mesmo caráter que a posse tinha, quando possuidor era o de cuius. Se essa posse tinha vício, esse vício a acompanhará.

Ainda que o Código Civil não contenha um dispositivo que textualmente se refira à sucessão da posse, em decorrência da morte, tal como no particular mais explicitamente dispunha o art. 1.572 do Código Civil de 1916, a situação possessória do herdeiro é situação que não se afeiçoa à teoria da posse do Código Civil (fundamentalmente gizada no art. 1.196 e seguintes). É manifesto que a situação do herdeiro ----- que passa a ser possuidor, e, do qual poderemos dizer que ‘herdou’ a posse -----, não se abriga debaixo da regra do art. 1.204 (como, também, estruturalmente, ao menos desde logo, ou por mera virtude do acontecimento a que se refere o art. 1.784, não é suscetível de se abrigar, ao menos necessariamente, na descrição do art. 1.196). Pois que, em realidade, passa o herdeiro a ser possuidor, sem que para isso se haja configurado a situação descrita no art. 1.204, nem mesmo se fazendo necessário que tenha conhecimento da situação da morte, e, por isso, da sua própria situação de possuidor. [48] De outra parte, para que seja possível a continuação da posse, pelo herdeiro, necessário é que o de cuius, ao falecer, ainda tivesse posse. [49] Já em relação ao legatário, este há de receber a posse, nos termos do § 1º, do art. 1.923.

Em relação à segunda parte do art. 1.207, diferentemente, poderá o sucessor singular unir a sua posse, à do antecessor, o que é aspecto que também peculiariza a posse, no quadro geral dos direitos, uma vez que, por ato de vontade exteriorizada e concretizada, é possível dimensionar, para mais, um estado possessório, com o fito de colher determinados benefícios. De resto, é perceptível que o disposto no art. 1.207, segunda parte, é argumento no sentido de que não há propriamente sucessão na posse, ao lado do disposto no art. 1.243.

4. Não existe sucessão singular na posse, tal como existe sucessão em direitos e obrigações

O Projeto original de Clóvis Bevilacqua não tratou especificamente da aquisição da posse, à semelhança do que ocorreu no Esboço Teixeira de Freitas. O de Clóvis Bevilacqua se referia apenas, em seu art. 565, às circunstâncias que caracterizavam uma situação como possessória. [50] Com a revisão sofrida pelo Projeto de Clóvis Bevilacqua em 1900, foram incluídos os arts. 584 a 589 regulando, com o mesmo conteúdo dos arts. 493 a 498 do Código Civil de 1916, a aquisição da posse.

O que se deve ter presente, para bem compreender o disposto nos arts. 1.204 e 1.223, é que ao referir-se a lei à aquisição da posse ou perda da posse (art. 1.223), diz respeito, exclusivamente, à posse: vale dizer, essa aquisição ou perda da posse se passa no plano possessório ?? no plano das situações de fato ??, ainda que o ato material de controle sobre a coisa possa ser decorrência de uma titulação ensejadora também da aquisição do ius possidendi. E, em rigor, a expressão aquisição tem, na hipótese, ou um significado equivocado, ou, então, descoincidente com o sentido da aquisição de direitos, propriamente ditos. Para a aquisição da posse, mais precisamente, ou, para a instalação de uma situação possessória, não é necessária capacidade de exercício de direitos, senão que, apenas discernimento ou vontade natural a essa aquisição preordenada. De certa forma, a não exigência de capacidade civil de exercício de direitos é congruente com a circunstância de que a aquisição ou o início da posse se passa no plano dos fatos.

É como coloca a questão Detlev Joost, ao dizer que “Para a vontade em relação à posse não é necessário que o possuidor da coisa saiba da aquisição [da posse, enquanto tal]. É suficiente uma vontade geral, para a obtenção da senhoria de fato”.[51] No mesmo sentido, Johannes Biermann, que se refere à aquisição legítima por crianças e enfermos mentais (conforme o grau da enfermidade, a opinião pode ser discutível, como, por exemplo, quando não possa haver vontade alguma). [52]

O que podemos acentuar, doutrinariamente, demonstrando o pensamento correto e pacificado, em relação à análise da vontade necessária para a aquisição da posse, é o seguinte, citando-se Hernández Gil: “La aptitud para adquirir la posesión reconocida a las personas ordinariamente no capaces, que se manifesta ya en las fuentes del derecho romano, si bien de manera compleja, ha dado lugar a muy detenidos análisis críticos por parte de los romanistas italianos, especialmente por los integrados en la moderna escuela de Pavia”.[53] - [54]

Para situarmos a questão em nosso direito positivo ----- além do que dissemos, e que se retrata em texto do Código Civil no qual se abriga a posição existente no plano doutrinário respeitantemente à aquisição da posse -----, há também de recorrer-se ao disposto no art. 185, do Código Civil, onde se lê que: “Aos atos jurídicos lícitos, que não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior”. A invocação deste último texto significa que há atos jurídicos lícitos ----- dentre os quais se encarta a tomada da posse ----- que se submetem, apenas, à vontade, ainda que não seja a de alguém necessariamente capaz, tendente a essa finalidade e que tenha atingido o seu fim. [55]

Devemos remarcar, neste passo, que a posse pode ser adquirida por derivação (= cooperação) ou não, i. e., quando naquela hipótese vier ser estabelecida dependentemente de relação com o possuidor anterior. Mas mesmo essa expressão ----- aquisição por derivação ou por  :cooperação ----- não é rigorosamente própria, porquanto a posse é um fato, e, demanda existir como tal, com a coisa : em poder ou sob o controle do adquirente. Em rigor, pois, mesmo na chamada aquisição por derivação, a posse somente é “transferida” se realmente aquele a quem foi “transferida” iniciar a sua própria situação possessória, ou seja, a posse recebida não é propriamente derivada daquele que a entregou. E, a expressão colaboração ----- no plano de fato da entrega da posse ---- é indicativa de que houve a entrega, a tradição da coisa, e, para isso, quem a transferiu, colaborou. É por isso que o art. 1.204 : refere-se a que, a partir de ser configurada a situação de titularidade sobre a posse, que, no fundo é a : descrita no art. 1.196, ocorre a “aquisição” da posse: em rigor, início da posse.

Com toda a propriedade e retratando a realidade insuperável dos fatos, asseverou Savigny que posse, em rigor, não se adquire. [56] Outros juristas, como Dernburg, afirmam o mesmo. [57] Isto não significa que, se o início da posse estiver ligado ou decorrer de negócio jurídico, a vontade do tradente não possa auxiliar (= colaborar) ----- como se disse ----- no entendimento da situação, mas é essencial demonstrar a existência da posse em poder do que se diz traditário. Se houver vício no negócio jurídico, ao abrigo do qual se haja transferido a posse, nem por isso esta deixa de existir, e, ainda que o negócio seja anulado ou declarado nulo, se não houver sido pedida, também, a restituição da posse (ou, se essa situação não se modificar), essa continuará em mãos de quem estava.

O Código Civil austríaco, no seu § 320, dispõe lapidarmente: “Durch einen giltigen Titel erhält man nur das Recht zum Besitz” einer Sache, nicht den Besitz selbst” – “Através de um título válido adquire-se apenas o direito à posse, mas não a posse mesma”. Anton Randa, a seu turno, afirma: “Durch Rechtsgeschäfte, welche zum Erwerbe von Rechten sich eignen, wird der Besitz nicht erworben, daher insbesondere weder durch Vertrag noch durch Erbgang (Erbschaft, Vermächtniß)”. Anton Randa, a seu turno, ensina que: “Através de negócio jurídico, que são os meios próprios para a aquisição de direitos, a posse não é adquirida, daí com mais razão não ser adquirida nem por contrato e nem pela sucessão por morte (herança, legado)”. [58] : Esta última afirmação é válida em face do direito romano e é inaplicável à luz do nosso art. 1.784. Ainda que inaplicável ao nosso direito a afirmação final de Randa, nem por isso, a posse decorrente da herança configura uma situação encartável no regime possessório do Código Civil.

Não será suficiente a comprovação do negócio jurídico em que esteja afirmado que a posse foi adquirida, para ter-se a posse como efetivamente transferida (= iniciada) por aquele que foi o adquirente. Comprovado o negócio jurídico ----- em que haja a referência à transferência da posse ----- ter-se-á tido a transferência do ius possidendi, a respeito do que é expresso o Código Civil austríaco (§ 320 – acima transcrito), mas não necessariamente da posse, entendida esta como controle material, transferência essa situada no plano do ius possessionis: ou seja, é uma situação constatável a partir do mundo empírico, com vistas a encartá-la no modelo do art. 1.196. É, em realidade, o que deflui do disposto no art. 1.204. [59] - [60] Por isto é que, se houver um documento ‘transferindo a posse’, mas que não tenha tido repercussão de fato alguma, a posse não terá sido, efetivamente, adquirida: nessa hipótese como dito, terá efetivamente sido transferido ou poderá ter sido efetivamente transferido, apenas, o ius possidendi. É o que, igualmente, bem se observa na doutrina argentina. [61] Esse documento poderá eventualmente significar, apenas, promessa de transferência-aquisição da posse. Em qualquer hipótese, todavia, não é possível pretender tenha ocorrido tomada da posse se não houver vontade e nem a prática de atos para que isso haja ocorrido. [62]

Mas, verificada a situação de poder de fato, controle material, sobre a coisa, existirá posse, diferentemente do que se passa com a propriedade, cuja existência depende de titulação jurídica específica (externa à situação de propriedade). [63] É certo que para a posse considerada no âmbito do ius possessionis  :pode, também ----- e, isto é o comum das coisas -----, existir uma titulação a ela externa, o que se situa no âmbito do ius possidendi. E é certo que, normalmente, pela tradição efetivamente ocorrida e permeada pela vontade de transferir a posse e pela aceitação do traditário, essa terá sido realmente transferida (é a regra do art. 1.263, letra “b”, do Código Civil português, explícita a respeito.

O art. 1.204 deve, também, ser entendido em função e congruentemente com o disposto no art. 1.223, onde se disciplina a perda da posse, estabelecendo-se no texto que a perda pode ocorrer “,…embora contra a vontade do possuidor,…”, o que significa que no art. 1.204 encontra-se prevista toda e qualquer aquisição de posse, aqui compreendida, também a concretização material de situação de controle da posse, inclusive por esbulho (o que fica evidente se se tiver sistematicamente em conta o que está no art. 1.223). A dicção do art. 1.223 espelha a hipótese oposta à do negócio jurídico, que se alimenta sempre de vontades convergentes. Devemos compreender, portanto, como incluída no art. 1.204, a circunstância de que a aquisição da posse pode dar-se ainda quando essa aquisição tenha tido contra ela a vontade do possuidor precedente, situação esta, de resto, que é configuradora de esbulho. Se se perde a posse, apesar da vontade contrária do possuidor (art. 1.223) ----- correlatamente -----, é certo que a posse pode ser ‘adquirida’ contrariando a vontade do possuidor, hipótese possível de ser lida no art. 1.204.

A posse pode ser adquirida, como se disse, por cooperação do possuidor precedente, que transfere a coisa ao que passa a ser possuidor, como já se aflorou. A esta modalidade de aquisição referia-se especificamente o art. 493, inc. III, c/c o par. ún., desse texto, do Código Civil de 1916. [64] A chamada cooperação é útil, como se aflorou, para verificar-se que não há ou houve objeção na aquisição da posse por parte daquele que teve a posse. Mas, o que se mostra relevante é que, para a aquisição da posse, necessário é que haja a efetividade do poder de fato sobre a coisa. [65]

A circunstância de, com a tradição, nos móveis, transferir-se uma situação, não significa, todavia, que a situação atual seja rigorosamente idêntica à precedente. Somente a “substância” das situações parece ser a mesma. [66] - [67] : Ou seja, se ocorrer convergência de vontades ----- e, não se tratando de constituto possessório [68] ----- é certo que essa convergência de vontades não terá transferido a posse, se a posse não houver sido, efetivamente, transferida. [69]

5. O papel significativo de Alois Brinz no tema, através de análise que conduziu ao entendimento de que não há sucessão (singular) na posse, ao retomar o tema

A significação desse entendimento, que veio a se consolidar, radica-se em trabalho de Alois Brinz.

Pode-se dizer que a idéia de que havia sucessão, no fato material da posse, também, quando não se tratasse de sucessão causa mortis, em virtude de negócio jurídico, prevaleceu muito tempo. Segundo Funaioli a idéia de sucessão na posse, através de negócio jurídico, tal como se se tratasse de sucessão singular em direitos e obrigações, [70] foi admitida pacificamente até o princípio do século XIX, com base em Papiniano “plurimum ex lege possessio mutuantur” e também com lastro na regra “Nemo plus iuris transferre potest, quam ipse haberet”. Já para Savigny, diferentemente, : a aquisição da posse era sempre originária. [71]

Foi, como se disse, a partir de trabalho de Alois Brinz : retomando a temática, publicado no Jahrbuch des gemeinen deutschen Rechts [Anuário do Direito comum alemão], editado por Theodor Muther, vol. III, p. 16 e seguintes, trabalho esse intitulado Possesionis Traditio (ano 1859), em que se levantou, consistentemente, a dúvida no sentido de saber se a aquisição da posse não haveria sempre de ser originária, na esteira de posições anteriores, no mesmo sentido. Este autor questiona-se a respeito de questão em torno da qual discute e que reputa ser fundamental: “se, de fato, entre a recepção da posse com tradição ou sem tradição, não há diferença essencial?” – (no original: “ob denn zwischen dem Besißerwerber mit Tradition und ohne Tradition in der That kein wesentlicher Untershied sei?”) [72] Seguiu-se-lhe Ihering, para quem, sabidamente, a posse é um direito. Na esteira deste último entendimento Esmarch (Vacuæ Possesionis traditio, Praga, 1872), afirma que um contrato de transferência da posse diz, apenas com esta, enquanto bem patrimonial. [73] Na Itália, Barassi [74] e Michele Carboni, [75], negam a possibilidade de sucessão. Para Funaioli “…l’impossibilità della successione si ravvisa, in sostanza, nella materialità del fatto, creato non dalla legge ma dall’uomo, perchè si dice che succedere giuridicamente vuol dir subentrare nell’identico rapporto ----- quello stesso, nella sua individualità ----- che si trovava in testa all’autore:……” – (“…a impossibilidade da sucessão [na posse] se percebe, em substância, na materialidade do fato, criado não pela lei, senão que pelo homem, porque se diz que suceder juridicamente quer dizer inserir-se na mesma relação ----- aquela mesma, de que estava na titularidade o autor”) Mais adiante, conclui: “…l’idea di successione non può restare che esclusa dal campo del possesso” – (“…a idéia da sucessão não pode ficar senão excluída do campo da posse”). [76]

Diferentemente se passa na sucessão, propriamente dita, em que deve haver uma continuidade na identidade da situação jurídica objeto da sucessão. [77] Savigny, [78] diz: -‘O conceito de sucessão nos conduz a uma consideração em que posição indicada da pessoa para a qual vai o direito apareça trocada. O [mesmo] direito deverá valer no substancial e remanescer [como era], em que em relação a esse que se segue e que mudou subsista imodificado”. Em suma, fica frisada a identidade da situação objeto da sucessão.

A partir da constatação de que é inviável sucessão na posse, disto decorre que, tendo havido um negócio jurídico, em que se transferiram direitos e obrigações, e, onde, igualmente, se afirme que a posse foi transferida ----- se esta última transferência não ocorreu de fato ----- o que existe é um inadimplemento parcial, em relação ao negócio jurídico. Se a posse, ou o controle material da coisa estiver com a outra parte do negócio jurídico, que : continua sendo o possuidor, contra este caberá ação de imissão na posse: se, com terceiro, caberá a ação em relação a este, salvo se, em relação a esse existir óbice legítimo que inviabilize a ação. Mas, em ambas as hipóteses, o que se pretenderá será vir a ter a posse, em nome e por causa do direito à posse (ius possidendi).

6. A ação de imissão na posse ----- entre outras ----- se assenta no ius possidendi

A ação de imissão na posse refoge dos referenciais das ações possessórias stricto sensu. Diferentemente das ações possessórias, cuja causa petendi e o pedido circunscrevem-se à posse (e, à alegada lesão ou ameaça de lesão à posse): na ação de imissão na posse a causa de pedir não essencialmente é relacionada com a posse (senão que, apenas em relação à não entrega da coisa e ao título do qual deflui o direito à posse), senão que é o pedido na ação de imissão na posse que à posse diz respeito. A ação de imissão na posse tem cabimento quando o autor, atualmente, já tem o direito à posse, mas não teve e nem tem a posse. A solução tradicional em nosso direito, apontava para a direção de que, diante de uma compra e venda, o comprador carecia da ação de imissão na posse, porque constituía-se em obrigação do vendedor a transferência da posse. Na hipótese precedente já há o direito à posse, ao passo que, na segunda ---- entendia-se -----, o que existia era, apenas, a pretensão contra o comprador para que este cumprisse a sua obrigação. [79]

Pelo que veio a ser previsto no art. 461-A, do Código de Processo Civil, a solução se altera. Por esse texto, verifica-se que, mesmo em face de obrigação inadimplida, como está claramente disposto no § 2º, do art. 461-A, pode resultar o cabimento e a determinação do autor ser imitido na posse. Isto significa que, em relação a obrigação não cumprida, veio a caber execução específica (e, de caráter subrogatório), e, não apenas modalidade de execução indireta, porque, por esse § 2º, do art. 461-A, tem o credor o direito à imissão na posse, em relação a imóveis e a móveis, o de busca e apreensão, que são modalidades de execução específica, no âmbito da execução sub-rogatória, ou seja, por obra do Judiciário. [80] - [81]

Há de ser causa petendi da ação de imissão na posse o ius possidendi, aliado à menção ao fato ou fatos que motivam o interesse de agir (fato ou fatos representativos de que o autor tem ou alega ter direito à posse, que lhe é negada): e, o pedido há de ser a posse. Nas ações possessórias stricto sensu se discute, exclusivamente, o ius possessionis, e, na causa petendi deve haver, sempre, referência à posse, ao passo que na de imissão na posse a causa petendi há de referir-se sempre ao ius possidendi, ou seja, ao título ou fundamento do direito de possuir (para aquele que ainda não teve posse), e, por isso, pede-se que ao autor se reconheça esse direito e que seja o réu condenado a entregar-lhe a coisa, e, não o fazendo, o juiz procederá à imissão na posse.

O que nos parece explicar, fundamentalmente, a diferença entre ação de reintegração de posse e ação de imissão na posse, é a circunstância de que como na posse não se sucede, propriamente, nem pelo fato de ter havido um negócio jurídico, ou outro ato, em função do qual alguém tenha sido investido no direito de possuir (ius possidendi), ou mesmo tendo-se afirmado que a posse foi de fato transferida, esse alguém terá posse, enquanto entendida como poder de fato ou controle material sobre a coisa, apenas quando essa situação se concretizar.

Cada possuidor inicia a sua própria posse. Ainda que a lei se refira à aquisição da posse, em verdade, o que quer significar é início da posse. Se se admitisse ----- como já se admitiu ----- que através de um negócio jurídico se transferisse a posse, tal como se transfere o direito objeto do negócio jurídico, é certo que a ação que haveria de ter cabimento seria a reintegração de posse, pois, aquele a quem se transferiu a situação jurídica, a esse também, se teria transferido, a situação precedente “por inteiro”, e por isso esse teria sucedido na posse do antecessor, como sucedido teria também, na ação que caberia àquele que lhe teria transferido a posse, conquanto tivesse este transferente sido vítima de esbulho. E, se houve uma lesão à posse do antecessor, o “sucessor” na posse estaria legitimado para a ação de reintegração na posse: mas, como não há, propriamente, transferência da posse, isto serve para afastar o cabimento da reintegração e indicar o cabimento da imissão.

Verifica-se, desta forma, que a ação de imissão na posse destina-se à obtenção, por via judicial, da posse ----- que o autor nunca teve, e, nem passou a ter por virtude só de um negócio jurídico -----, fundando-se essa num título jurídico atinente à posse, ou seja, no seu direito à posse (ius possidendi).

O procedimento referente a esta ação era disciplinado pelo Código de Processo Civil de 1939 (arts. 381 e 383). [82] A colocação dentre ou ao lado das ações possessórias, da disciplina do procedimento da imissão foi criticada, precisamente, por não ser ação possessória stricto sensu. [83] No vigente Código de Processo Civil não se disciplinou esse procedimento, e, portanto, a pretensão à imissão na posse, é exercitável pelo rito ordinário.

Se houver um negócio jurídico, transferindo-se uma dada situação, que envolveu a posse ou que envolveu também a posse, e, se não tiver havido a tradição efetiva,  :v.. g., porque a posse está com um terceiro, que dela não abdique, coloca-se o problema consistente em saber se este, a quem se transferiu o direito deverá, para obter a posse, utilizar-se da reintegração na posse ou da imissão na posse. O entendimento absolutamente preponderante no plano do direito processual civil é o de que esse deverá utilizar-se da ação de imissão na posse, porquanto o autor nunca teve posse e pretende tê-la.

Mas é evidente que esta questão se imbrica com a indagação consistente em que, este, se sucedeu àquele que lhe transferiu o direito, teria sucedido, também, na legitimidade para propor as ações que aquele que lhe transferiu poderia propor. A resposta positiva a essa indagação não é a verdadeira , e se enraíza nessa razão mais profunda, qual seja, a de que não se podendo dizer que haja sucessão na posse, propriamente, e tendo cada um tem a sua posse, nisto está implicado que, se o traditário não recebeu a posse, mas se pelo negócio tem direito à posse, haverá de ser nela imitido. Desta forma, tendo alguém uma titulação jurídica a uma dada situação, em cuja situação está também o direito de possuir (ius possidendi), deverá postular o reconhecimento desse direito e a obtenção, por obra da atividade jurisdicional, da posse mesma, que nunca teve.

Difere a ação de imissão : das ações possessórias stricto sensu, porque, nestas o que se discute é a posse, por isso que há de comprovar a posse (posse precedente e perdida), [84] na ação de manutenção de posse, ou, a perda da posse (precedentemente detida pelo autor) no caso ação de reintegração de posse, ao passo que na de imissão de posse há de comprovar-se o direito à posse, ao lado da negativa da entrega dessa posse

Nada obsta, que em relação à ação de imissão na posse, possa ser obtida tutela antecipada (art. 273, do Código de Processo Civil), desde que ocorrentes os respectivos pressupostos.

* Trabalho escrito em homenagem ao Prof. Humberto Theodoro Júnior, por convite da Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier.

** A grafia de obras em português e alemão antigos foi conservada.

*** Os artigos citados, que não venham precedidos ou sucedidos da informação da Lei ou Código a que se referem, são do Código Civil Brasileiro de 2002 (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002).

[1] Juristas há que vislumbram, no âmbito da disciplina do direito das coisas, e, subjacentemente a este, uma outra ordem, ou seja, segundo esses autores haveria uma dualidade de ordens, vale dizer, uma definitiva (ou, institucionalizada, referente à propriedade e aos direitos reais) e outra provisória, atinente à posse. A ordem provisória é ou seria principalmente representada pela posse e sua defesa, ao passo que a definitiva pelo direito das coisas, enquanto sistema de direitos sobre as coisas (v. Philipp Heck, Grundriß des Sachenrechts [Compêndio de Direito das Coisas], 1930, Tübingen, reedição Scientia Aalen, 1970, Introdução, § 1º, 1, p. 1).

[2] Cf. Paola Lambrini, L´Elemento Soggettivo nelle Situazioni Possessorie del Diritto Romano Classico [O Elemento Subjetivo nas Situações Possessórias do Direito Romano Clássico], Padova, Cedam, 1998, : p. 20 – no original: “Non vi è dubbio che in diritto romano classico la possessio non fosse concepita come esercizio di fatto di un diritto reale, bensì come potere di fatto sulla cosa, come semplice signoria, egemonia materiale sulla res (destaque da autora)”.

[3] Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], Viena, 1865, 7ª ed, ed. Carl Gedold’s Sohn, § 5º, p. 43, onde diz que a posse é um fato puro (“…ein blosses Factum ist:…”). Ernst Immanuel Bekker, Das Recht des Besitzes bei den Römern [O Direito da Posse nos Romanos], Leipzig, ed. Breitkopf und Härtel, 1880, no capítulo § 5º (“Ius und Factum”) – (“Direito e Fato”), p. 33, sublinha a discussão em sua época, em relação à indagação de ser a posse fato ou direito, afirmando que a posse, como comportamento e fazer [do possuidor] é fato: como somatório das conseqüências jurídicas, é direito. Igualmente Anton Randa (v. Der Besitz nach österreichem Rechte [A Posse no Direito austríaco], Leipzig, 1876, edição de Breitkopf e Härtel, 4ª edição, § 3º, p. 32). Este último autor, ao tratar da aquisição e perda da posse fundamentalmente como fatos, conclui: “Der Besitz ist ein Faktum. Er ist kein Recht, ----- kein Umrecht ----- er geht neben dem Rechte einher” (“A posse é um fato. Não é um direito ---- nem ilícito --- acompanha [caminha com] o direito” Afirma Konrad Büchel que é fato porque o ladrão pode ter posse, pois se fosse direito, haveria sempre de ser adquirida por meios jurídicos (v. Konrad Büchel, Ueber die Natur des Besitzes [Sobre a natureza da Posse], Marburg, 1868, ed. Elwert, p. 8, onde diz que a posse somente pode ser entendida como relação de fato (“Er kann demnach der Besitz nur als faktisches Verhältnis, als causa facti, in Betracht kommen, und muß daher überall als begründet erscheinen,…”) - (em português: “Por isto é que a posse deve ser havida como relação de fato, como causa de fato, e por isso, acima de tudo, deve aparecer [em si mesma] como fundada,…”) – colchetes nossos. Anton Friedrich Justus Thibaut, na sua obra Ueber Besitz und Verjärung [Sobre Posse e Prescrição], Jena, 1802, edição Michael Mauke, § Iº, estabelece os elementos materiais da posse, dizendo que, em conformidade com o próprio significado romano, que é, também, no seu sentir, o do direito alemão, possidere, significa poder físico (no original: “Das Römische possidere deutet, wie das Deutsche Besißen, seinem ursprünglichen Worte verstande zufolge, das Factum an, da Jemand eine körperliche Sache durch Sißen oder körperliches Begreifen in seiner physichen Gewalt hat,…”) – (em português: “O possidere romano indica, tal como o alemão possuir, entendido a partir do sentido originário da palavra, significando o fato de alguém poder sentar numa coisa ou de ter poder físico de apreensão de um corpo,...”).

[4] Disse o autor francês Jean-Marc Trigeaud: “La possession-droit savignienne coincide pleinement dans sa configuration et sa structure avec la notion Kantienne” – (“A posse-direito savigniana coincide inteiramente na sua configuração e estrutura com a noção Kantiana”) (Jean-Marc Trigeaud, La Possession des Biens Immobiliers, Economica, 1981, pp. 459 e ss). Para uma síntese da influência de Kant e do idealismo alemão na teoria de Savigny, v. nesse mesmo autor e na mesma obra, acima citados, especialmente pp. 459 e ss.

[5] Para uma notícia ampla, v. Moreira Alves, Posse, Rio de Janeiro, Forense, 1999, 1ª ed., 2ª tir., Iº vol., pp. 209-210 e nota 691, da p. 209. Observa-se nessa informação que, até mesmo alguns lineamentos da idéia de posse, tal como fora entendida por Kant, teriam penetrado no pensamento de Savigny.

[6] V. Rudolf von Ihering, na sua obra ?ber den Grund des Besitzeschüßes, Eine Revision der Lehre vom Besitz [Do Fundamento da Proteção Possessória, Uma Revisão da Doutrina da Posse], 1869, ed. Maule, Iena, 2ª ed., em várias passagens evidencia que, em seu sentir, o fundamento da proteção possessória é o da proteção do direito de propriedade, no que está implicado que, podendo haver propriedade, haverá posse: 1. afirma que a “posse é posto avançado da propriedade” (“der Besitz ist Vorwerk des Eigenthums”, VII, p. 64): 2. onde “há propriedade, há também posse” (“Wo Eigenthum, auch Besitz”, X, p. 155): 3. “…, portanto, é o interesse do proprietário que determina a proteção da posse e com isto o conceito de posse” (“Das Eigenthumsinteresse also bestimmt den Besitzschutz und damit den Besitzbegriff”, XI, p. 185): 4. o título desse nº XI bem evidencia que, nessa concepção, a posse é havida como sendo fundamentalmente a expressão material da propriedade. O subtítulo sob nº 3, ao nº 11 é “A posse [como expressão] do poder de fato da propriedade” (“Der Besitz die Thatsächlichkeit des Eigenthums”, p. 179). Em realidade, tanto o art. 485, do Código Civil de 1916, quanto o art. 1.196, do CC/2002 (como, ainda, os Códigos Civis de Portugal, art. 1.251 e Italiano, art. 1.140) aludem à imagem da figura jurídica da propriedade/proprietário ao referirem-se à situação do possuidor, por isso que, compreensiva essa noção de propriedade, da noção menor, de domínio (distinção essa que constava do Código Civil de 1916, no seu art. 485). E, em realidade, é possuidor o que, de fato, apresenta-se tal como se proprietário fosse: é o que se comporta similarmente ao que faz o proprietário enquanto possuidor.

Esta idéia de que a proteção da posse é principalmente destinada à proteção da propriedade subsiste até nossos dias. É o que se remarca com acerto na literatura (v. Bernd Rüther, Allgemeiner Teil des BGB [Parte Geral do Código Civil (alemão)], Munique, ed. Beck, 1984, 5ª ed., nº 22, p. 15, onde diz: “Die Besitzsschutzfunktion des Privatrechts zeigt sich etwa beim Schutz des Besitzes (lies §§ 858 ff.), des Eigentümers (lies Art. 14 Abs. 1 GG, § 903, 985, 1004: aber auch Art. 14, Abs 2: 15 GG: § 904) und bei den Vorschriften über die ‘unerlaubten Handlungen’ (lies §§ 823, 824, 826). Alle diese Vorschriften sollen bewirken, daß die Güter prinzipiell auf rechtmäßsige und rechtsförmliche Weise umverteilt werden”) – (“A função da defesa da posse no direito privado ostenta-se pela defesa da posse mesma (ver §§ 858 e seguintes [do Código Civil alemão]) do proprietário (ver Art. 14, alínea 1 da Lei Fundamental de Bonn e § 903, 985, 1004 [do Código Civil alemão] mas também Arts. 14, alínea 2 e 15, da Lei Fundamental de Bonn]): e, também em relação à vedação de exercício arbitrário das próprias razões (ver §§ 823, 824, 826 [do Código Civil alemão]). Todas essas prescrições devem operar [de tal forma] que os bens em princípio devem ser distribuídos de maneira e forma regulares através do direito”). :

[7] Cf. Alfredo Fedele, Possesso ed Esercizio del Diritto, Torino, ed. Giappichelli, s/d, capítulo I, I, p. 8, onde diz: “Le fonti non designano mai il possesso di cosa come esercizio del diritto di proprietà:…” – (“As fontes não denominam jamais a posse de coisa como exercício do direito de propriedade”). Para este autor, a tese que vislumbra na posse o exercício do direito de propriedade é oriunda do direito canônico, representando ----- segundo ele -----, talvez, a mais significativa contribuição do direito canônico ao direito privado (v. Fedele, op. ult. cit., I, p. 7 e nota I). Não encontramos ressonância ou notícia expressiva ou que corroborasse essa afirmação ----- influência canônica em ligar a posse à propriedade ----- em outras obras.

[8] Ver, contemporaneamente, Olaf Sosnitza, Besitz und Besitzschutz [Posse e Defesa da Posse], coleção Jus Privatum, vol. 85, 2003, Tubinga, ed. Mohr Siebeck, sobre o direito alemão, no mesmo sentido – capítulo I, letra B, I, p. 31 e seguintes, com o título “A posse como objeto autônomo de regulação jurídica” – (“Der Besitz als autonomes Regelungsobjekt”). O mesmo pensamento é expressado por Giovanni Diurni, em relação à Idade Média, e tendo como base o direito longobardo (com exceção do direito germânico, em que direito e posse não se encontravam claramente distinguidos), onde diz: “Sem dúvida [na posse] há uma disciplina jurídica de um fato ou de uma série de fatos, que, mercê de traços comuns ou por interação, acabam por constituir uma unidade normativa” – (“Vi è indubbiamente la disciplina giuridica di un fato o di una serie di fatti, che, per tratti comuni ovvero per interazioni, vengono a costituire una unità normativa”) – v. Giovanni Diurni, Le Situazione Possessorie nel Medioevo, Età Longobardo-Francia, Milano, Giuffrè, 1988, : capítulo I, 1, p. 9.

[9] Berthold Delbrück, Die dingliche Klage des deutschen Rechts [A ação referente a coisas no direito alemão], Leipzig, ed. Breitkopf e Härtel, 1857, § 18, 1. (“Do Petitório e do Possessório em geral”), p. 92. Tratando-se de outra ação específica que não a de imissão na posse (mas que tem com esta a semelhança de ter a posse como objeto, mas não como causa de pedir), já se afirmou – com base em texto de Gaio – que a publiciana caracteriza-se como ação dominial (v. Deurer, no trabalho intitulado Ueber den Schutz des relativ-bessern Rechts nach römischen Grundsätzen [Sobre a defesa do direito relativamente melhor em conformidade com máximas romanas], publicado no Jahrbücher für die Dogmatik des heutigen römischen und deutschen Privatrechts [Anuário para a dogmática do romano contemporâneo e privado alemão], 1857, vol. 1, p. 227), Disse Deurer que a ação publiciana não cabia a qualquer possuidor, senão que àquele de boa-fé, ou seja, aquele que fosse possuidor justo (“…das diese Klage [publiciana] nicht jeder Besißer als solchem, sondern nur demjeinigen gegeben sein solle, welcher die Sache aus einem in abstracto Eigenthum übertragenden Ereignisse erhalten hatte, und zwar bona fide, der also iustus possessor war. …”). E, em seguida apóia-se em texto de Ulpiano: “Publiciana actio ad instar proprietatis, non ad instar possessionis respicit”.

[10] Dispunha o art. 505 do Código Civil de 1916: “Não obsta à manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”. O CPC, no seu art. 923, veio a dispor: “Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento do domínio. Não obsta, porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa: caso em que a posse será julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio”.

A segunda frase, do art. 923 do CPC, veio a ser revogada pela Lei 6.820, de 19 de setembro de 1980.

[11] Esse texto se filia ao princípio romano que expressava a distinção entre propriedade e posse (Digesto XLI, 2, 12 e XLIII, 17, 1, 2), ou seja, Nihil commune habet proprietas cum possessione (A propriedade nada tem em comum com a posse) e Separata esse debet possessio a proprietate (A posse deve ser separada da : propriedade).

[12] Este entendimento está acentuado na jurisprudência, desde há muito tempo. O STF, em acórdão datado de 26/06/1906, decidiu: “A immissão de posse, instrumentaria ou judicial, não é meio de resguardar posse já existente, offendida por turbação, ou de readquirir a que foi tirada por esbulho, casos para os quaes as acções possessorias são os remedios proprios, – mas unicamente o meio de adquirir a posse a que se tem direito por um título qualquer, e começa a existir com o acto de immissão” (apud Eduardo Espínola, Código do Processo do Estado da Bahia Annotado, Salvador, 1922, Typographia Bahiana, vol. 1, § 4º, p. 87).

Já na vigência do CC de 1916 e do CPC de 39 decidiu-se: “Tratando-se de ação possessória não há que examinar-se título de propriedade, e já que o autor trouxe seus títulos, ficam êles ad colorandum. : Nas ações possessórias, a posse é ao mesmo tempo a legitimação para a causa e a causa petendi, isto vale dizer, o possuidor mesmo esbulhado é a parte legítima para ação e o seu jus possessionis é a própria causa de pedir... A posse é protegida porque é posse ... a ação de imissão [na posse] não é possessória, apesar da qualificação que lhe deu o legislador processual... Na imissão, o domínio é a causa de pedir única e exclusiva. : Nas possessórias discute-se o ius possessionis: na imissão o ius possidendi. : Direito de posse e direito à posse.” (Despacho do Juiz Eliézer Rosa, DJ 11/07/1958 apud Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1960, Forense, vol. XIX, § 7º e ss., p. 829-830).

[13] No que diz respeito à posse alegada a fazer parte da causa petendi, essa pode ser uma posse qualquer (“possesso qualsiasi”), sendo incogitável (por absolutamente desnecessário) que se pense numa posse ad usucapionem, prescindindo-se da existência de título que pudesse embasar a posse: e, situações jurídicas intercorrentes, entre as partes, podem ser consideradas, exclusivamente, ad colorandam possessionem, com vistas a identificar o direito, ao qual corresponde a posse: ou, por outras palavras, com vistas a fornecer a prova de uma situação de fato (v. Codice di Procedura Civile, aos cuidados do Prof. Nicola Picardi, Milano, 1994, Giuffrè, coms. ao art. 703, nº 1, p. 703). :

[14] É o que decorre do art. 1.210, § 2º. O ius possidendi, como se sabe, diz respeito a um direito que justifique a posse, a um título da posse, ao passo que o ius possessionis diz respeito ao fato da posse. Em antigo autor alemão, consta a mesma afirmação: “(m) Possessio siquidem ut vulgo dici solet, meri facti est, et ita in possessorio non quaeritur, quodnam aliquis ius habeat in causa Principali, sed tantum an possideat” (A posse como popularmente se costuma dizer, é mero fato, e, no possessório não se questiona a respeito daquele que possa ter direito na causa principal, senão que, apenas, o que possui” pág. 11, letra “m”, no capítulo “disputatio de processu iudiciario” (“litígio em processo judiciário”), na obra de Cristof Besold, Thesaurus Practicus: ……… [Tesouro Prático:……] Studio Et Opera Johannis Jacobi Speidelii. Una cum eiusdem Debitis Locis &: Ordine insertis Additionibus ... - Norinbergae: Sumptibus Wolffgangi Endteri, 1643.

[15] É noção correta e antiga de que a interferência na posse alheia é um ilícito (v. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische Abhandlung [O direito de posse, Dissertação civilística], Viena: Carl Gedold’s Sohn, 1865, 7ª ed., p. 56, onde diz: “Die Person soll sicher immer gegen Gewalt: geschiet ihr Gewalt, so ist es immer ein Unrecht…”, ou seja: “Uma pessoa deve ser sempre segurada contra poder (alheio), e, esse este se manifesta sempre como um ilícito…”). Savigny, nesta fundamentação, filiava basicamente à circunstância de ser um ilícito contra a pessoa. Randa, ao analisar o assunto, largamente, fez constar da nota de rodapé da p. 361 que a mudança do caráter da posse por ato próprio, constitui-se também num delito, como também, usar o seu poder sobre outrem, com vistas a alterar a situação possessória desse (v. Anton Randa, Der Besitz nach österreichischem Rechte [A posse no direito austríaco], 4ª ed., revista e aumentada, Leipizig, 1895, edição de Breitkopf e Härtel, p. 361, nota 2). Bem recentemente essa idéia é retomada, no mesmo sentido, por autor italiano – v. Ettore Protetti, Le Azioni Possessorie – La Responsabilità e il procedimento in materia possessoria, Milão, 1995, Giuffrè, 9ª ed., 1, pp. 4 e seguintes.

[16] Os textos da 1.ª frase do art. 505 do CC/1916 e do § 2.º do art.1.210 do vigente Código distinguem-se apenas na medida em que enquanto a primeira frase do art. 505 do CC/1916 referia-se a domínio, o § 2.º do art .1210 fala em propriedade.

[17] O conteúdo do art. 505, 2ª parte, circunscreveu-se a que se haveria de examinar o domínio, em duas hipóteses, (i) quando a posse fosse duvidosa e (ii) quando ambos os contendores disputassem a posse como donos, também: e esses dois conteúdos do art. 505, 2ª parte, (iii) configuraram as possíveis exceções à regra geral, do art. 505, 1ª parte, pois, se assim não fosse, não haveria uma delimitação dessa segunda parte do art. 505, em relação à primeira parte. Em relação à regra do art. 505, 1ª parte, se examinada em si, sem exceções, mas lida à luz da regra da 2ª parte, esta consubstanciava as exceções ao mandamento da 1ª parte.

[18] O STF veio a editar Súmula, de nº 487, delimitando o seu âmbito, assentando que “será deferida a posse a quem evidentemente tiver o domínio, se com base neste for disputada.”

[19] O texto revogado do art. 923, do CPC, na sua segunda parte, era o seguinte: “Na pendência do processo possessório é defeso, assim ao autor como ao réu, intentar ação de reconhecimento do domínio. Não obsta, porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou de outro direito sobre a coisa: caso em que a posse será julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio.”

[20] Neste sentido, em voto proferido enquanto desembargador do TJMG, o professor Humberto Theodoro Júnior consignou: “POSSESSÓRIA – QUESTÃO DOMINIAL – INOPONIBILIDADE. : O art. 923 do CPC, que permitia levar-se em consideração o domínio de uma das partes para a solução do conflito possessório, teve sua redação alterada pela Lei no 6.820/80. : Prevalece, agora, em toda pureza, o princípio de que ‘o esbulhador antes de tudo há de restituir’, o que quer dizer que o interdito existe para tutelar a posse e nada mais que a posse, ficando fora de seu terreno qualquer questão em torno da propriedade.” (TJMG, v.u., AC 64.748, Rel. Des. Humberto Theodoro Júnior, j. em 02/08/1984 apud Humberto Theodoro Júnior, Posse e Usucapião: direitos reais, Rio de Janeiro, 1994, Aide, vol. I, § 5o, p. 186).

[21] Parece-nos que uma das hipóteses que emprestava conteúdo à segunda parte do art. 505, do Código Civil de 1916 ----- no caso da posse disputada a título de dono, por ambos, havendo dúvida quanto à titularidade da posse atribuir-se-ia àquele que se afigurasse dono ----- não deve mais ser havida como subsistente, a partir da necessidade de respeitar-se a regra do § 2 º, do art. 1.210 do Código de 2002. Essa dúvida deverá ser resolvida pelo ônus da prova. O autor deverá provar os fatos que justificam a sua ação possessória (art. 927, do CPC). Se não os provar suficientemente, a ação deverá ser julgada improcedente (este foi o entendimento da Iª Jornada de Direito Civil – setembro/2002, Brasília). Aparentemente é esta mesma a solução, se o réu pedir, também, proteção possessória, hipótese em que deverá, por isso, ser tratado como autor.

[22] No original: “a. Begriff und Untershied des s. g. Possessorium von dem Petitorium. Besiß und Recht, sind bekanntlich wesentlich vershieden, und es kann sich Jemand im Besiße eine Sache befinden, auf welche doch nicht ihm, sondern einem andern das Recht z. B. Eigenthum zusteht. – Da nun der Besiß bloß über die Frage enstehen, wer Besißer seyn, oder die aus diesem Verhältnisse enspringenden Vortheile genießen soll, – ohne Rücksich darauf, ob ihm oder sonst irgend Jemanden ein Recht die streitige Sache zukomme” – v. Hieronymus von Bayer, Theorie der summarischen Processe [Teoria dos Processos sumários], München 1830, ed. Livraria Anton Weber’schen, § 62, B, p. 154.

[23] No original: “Article 1265. : La protection possessoire et le fond du droit ne sont jamais cumulés. Le juge peut toutefois examiner les titres à l'effet de vérifier si les conditions de la protection possessoire sont réunies. Les mesures d’instruction ne peuvent porter sur le fond du droit.”

[24] Antes deste texto, regia o art. 25 do velho Código de Processo Civil (“Le possessoire et le pétitoire ne seront jamais cumulés” – “O [juízo] possessório e o [juízo] petitório nunca serão cumulados”), tendo sua remota origem na Ordonnance de Montil-lès-Tours, de 1446.

[25] Para autora que estudou aprofundadamente o tema, esta Ordonnance de Montil-lès-Tours, e, bem assim, a d’Is-sur-Tille, de 1535, em rigor, constituíram-se numa consolidação de diversas tendências precedentes, posição essa que, sucessivamente à Revolução Francesa, veio ensejar a redação do art. 25, do velho Code de Procedure (v. Elisabeth Michelet, La Règle du non-cumul du possessoire e du pétitoire, Paris, 1973, LGDJ, capítulo I, nº 8, p. 17).

[26] V. Jean Vincent e Serge Guinchard, Procédure Civile, Paris: Dalloz, 1991, 22ª ed. nº 64, p. 73.

[27] No original: “Art. 705 (divieto de proporre giudizio petitorio) Il convenuto nel giudizio possessorio non può proporre giudizio petitorio, finchè il primo giudizio non sia definitivo e la decisione non sia eseguita. : Il convenuto può tuttavia proporre il giudizio petitorio quando dimostra che l’esecuzione del provvedimento possessorio non può compiersi per fatto dell’attore.”

[28] No direito brasileiro, durante a época dos Códigos de Processo Civil estaduais, havia preceito similar, ao do art. 923, do CPC vigente (V. Arruda Alvim, Teoria Geral do Processo de Conhecimento, São Paulo, 1972, edição da Revista dos Tribunais, vol. II, Parte Oitava, nº 7, p. 343-344, onde inclusive, criticávamos a posição de Tito Fungêncio (aí citado na 2ª edição, 1955, ed. da Livraria Forense, em relação ao afirmado em sua obra Da Posse das Ações Possessórias), aproximando-nos da posição do direito italiano vigente [a redação atual, v. supra, nota 27, é diferente ao texto vigente à época em que escrevemos] - (p. 343). Mas, em realidade, no plano doutrinário, o que enfrentava Tito Fulgêncio era o problema relacionado com a necessidade da exaustão do processo da ação possessória, para, isto ocorrendo, estar aberto o caminho para a ação revindicatória. Tanto a redação precedente, quanto a atual, do direito processual civil italiano contém comando dirigido ao réu.

Entre nós, à época do CPC/39 não havia preceito similar ao do art. 923, do CPC vigente. Nos Códigos estaduais diversos deles regularam o assunto. V. g., o Código de Processo Civil de São Paulo, no seu art. 614, estabelecia: “Na pendência de ação possessória não pode o autor intentar o petitório”. Igualmente dispunham os Código de Processo Civil estaduais de Pernambuco, art. 539: do Espírito Santo, art. 433: de Minas Gerais, art. 661 e o do Distrito Federal, art. 523. Antes disto, o direito era omisso (V. Câmara Leal, Comentários ao Código de Processo Civil Civil e Comercial do Estado de São Paulo, São Paulo, 1930, Livraria Acadêmico Saraiva &: Cial. Ltda. Editores, vol. III, p. 490).

[29] O que vale para o disposto no art. 923, do Código de Processo Civil brasileiro, e, bem assim para a nossa tradição não imediata, que se constitui no pano de fundo desses textos.

[30] É opinião comum na Itália – v. Codice di Procedura Civile, aos cuidados do Prof. Nicola Picardi, cit., parte comentada por Nina Perrotta, coms. ao art. 705, nº 1, p. 705, com vasta indicação bibliográfica.

[31] Diferentemente, Salvatore Satta, Commentario al Codice de Procedura Civile, ristampa, Milão, Casa Editrice Dr. Francesco Vallardi – Società Editrice Libraria, 1968, vol. IV, parte prima, coms. ao art. 705, p. 297 e Alberto Levoni, La tutela del possesso, II. L’azione ordinaria nella difesa possessoria e il Giudizio, Milão, 1979, II, p. 311, os quais afirmam que deve ser entendido o princípio, exclusivamente, como objeto de exceção.

[32] Jorge Luiz de Los Mozos diz: “Porque en el juicio de interdicto (posesorio) sólo se trata de proteger el hecho de la posesión sin plantearse para nada a quíen pertenece el derecho, cuestión que deve ventilarse en el juicio declarativo correspondiente (petitorio).” (v. Jorge Luiz de Los Mozos, Tutela Interdictal de la Posesión, Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1962, nº 28, p. 163).

Ainda na doutrina espanhola (v. Valentín Cortés Domínguez, Vicente Gimeno Sendra e Victor Moreno Catena, Procesos Civiles Especiales, Madrid: editorial COLEX, 1996, nº 3, em que tratando do objeto litigioso do juízo possessório, p. 24), dizem: “Lo que protegen, pues, los interdictos es la posesión de hecho o inmediata”, ou seja, considera-se no âmbito desses a posse como situação de fato, e, a referência a posse imediata ou direta, é significativa de que, é nessa que se corporifica a situação de fato, propriamente dita. É precisamente essa realidade empírica de controle material sobre a coisa que se abriga debaixo do ius possessionis.

[33] A distinção aqui apontada é antiga. : A ação de imissão de posse prevista no CPC de 1939 tem sua origem, segundo posição doutrinária assente (cf. Vilson Rodrigues Alves, Ação de Imissão na Posse de Bem imóvel, Campinas, 1996, Bookseller, p. 46), na ação de imissão na posse que existia no CPC do Estado de Minas Gerais. O compilador da legislação processual mineira, explicando sobre o porquê da ação de imissão na posse figurar no capítulo que tratava das ações possessórias stricto sensu (reconhecendo que a imissão não era propriamente uma ação possessória), disse: “... coloquei a immissão logo após as tres acções essencialmente possessorias e sob o mesmo titulo, por ter com ellas este ponto commum ---- o de versar sobre o mesmo objeto.” (Arthur Ribeiro, Código do Processo com Annotações, Belo Horizonte: 1922, Imprensa Oficial do Estado de Minas Geraes, p. 205).

[34] Neste sentido: “É certo que, durante a locação, o locatário tem a posse direta, sem prejuízo da posse indireta do locador. : E porque tem a posse direta, assiste ao inquilino o direito de defendê-la através dos interditos, inclusive contra turbações ou esbulho até mesmo do senhorio. : Acontece, todavia, que a posse é uma situação de fato que exprime o poder real de disponibilidade do possuidor sobre a coisa. : Não se considera, por isso, possuidor quem apenas tem o direito a posse, mas tão-somente quem, de fato, já exerce o poder efetivo do desfrute econômico do bem. : Assim, o contrato que cria a obrigação de ceder a posse não é ainda prova da posse, mas tão-somente do direito à posse. : Isto não se dá somente com a locação, mas com todos os contratos de maneira geral. : A própria compra e venda, cujo objeto último é a transferência do domínio, não gera, por si, a posse do comprador. : O que decorre da compra e venda é a obrigação de entregar a coisa, mas se o vendedor não cumpre sua obrigação, nem por isso terá o adquirente condições de queixar-se de esbulho, posto que, antes da tradição, não se pode dizer que chegou a ser possuidor.” (TAMG, 2a Câmara Cível, v.u., AC 19.970, Rel. Juiz Guimarães Mendonça, j. em 02/04/1982 apud Humberto Theodoro Júnior, Posse e Usucapião: direitos reais, Rio de Janeiro, 1994, Aide, vol. I, § 2o, p. 208).

[35] Corretamente já se decidiu: “O promitente-comprador imitido na posse do imóvel, em virtude de ajuste irrevogável, tem ação de imissão de posse, substituindo a promitente-vendedora, contra os ex-proprietários, que se obrigaram a entregar a esta o mesmo imóvel dentro de certo prazo, tanto mais que se estabeleceu, na escritura de promessa, que a efetiva entrega do apartamento se faria nos termos da aquisição: cabe-lhe também exigir a multa pactuada para o retardamento.” (TJDF, 6ª C., v.u., AC 38.685, rel. Des. Paulo Alonso, j. em 8/03/1956, DJ 2/04/1957, p. 1.052 apud Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1960, Forense, vol. XIX, § 3º, p. 825).

[36] Se esse terceiro, v. g., for locatário do alienante, e, se o contrato com este estiver vigendo, e, contiver cláusula de validade em relação a terceiros, devidamente objeto de publicidade, é certo que não terá cabimento a ação de imissão contra esse terceiro.

[37] A este respeito, deve ser consultada a obra de Moreira Alves, Posse - Estudo Dogmático, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1997, vol. II, pp. 50-55 e nota 82, na p. 50, onde se verifica a existência de uma série de designações dessa situação possessória do herdeiro, a demonstrar que não se trata de uma situação afeiçoada à teoria possessória do Código Civil de 1916 ----- o que se passa, também, em outros sistemas -----, como, também, ocorre em relação ao vigente Código Civil.

[37] A mesma observação se fazia no direito alemão (v. Moreira Alves, Posse - Estudo Dogmático, 2ª ed., vol. II, cit., pp. 54-55), neste passo criticando com razão Pontes de Miranda: ainda, em outras obras, faz-se a mesma observação, dogmaticamente coincidente com a que é aqui feita (v. Fritz Baur, Sachenrecht [Direitos das Coisas], Munique, 1985, 13ª ed., § 8, I, p. 67). Este último observa que o § 857 do Código Civil alemão ---- em que se regula o assunto exposto no texto (entre nós, a disciplina está : no art. 1.784 do vigente Código Civil) ----- representa significativa exceção ao sistema possessório alemão, mesmo porque há, aí, posse sem senhoria de fato (“Besitz ohne Sachenherrschaft”) – (“Posse sem Senhoria sobre a Coisa”).

[38] Antes do Código Civil de 1916, dispunha o Projeto Joaquim Felício que “A posse do possuidor, por sua morte, e desde o momento desta, passa aos seus herdeiros, por virtude da lei, com todos os effeitos da posse effectiva” (art. 1.305). O Projeto Coelho Rodrigues, em seu art. 1.331, estabelecia que  :“O herdeiro legitimo continua a possuir immediatamente depois da morte do de cujo e nas mesmas condições, em que este possuía. Quando o herdeiro testamentário adquire a posse, pela addição da herança, é considerado como si continuasse também a posse do defunto”. O Projeto Bevilacqua, em seu art. 569, dispunha que “A posse transmitte-se aos herdeiros do possuidor, sem solução de continuidade, desde o momento de sua morte, e nas mesmas condições em que este a exercia”. Sucessivamente ao Código Civil de 1916, o art. 353 do Projeto elaborado pelo Prof. Orlando Gomes, ao tratar do tema, estabelecia que “O sucessor a título universal continua de pleno direito a posse do antecessor, que a êle se transmite com os mesmos caracteres.”

[39] Da tradição do direito, esta posição é prestigiada na jurisprudência brasileira, como se verifica dos julgados colhidos na obra de Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1968, Forense, vol. XXXI: “A ação de imissão proposta pelo apelante apresenta-se inadequada na espécie, por isso que tendo já o mesmo apelante, na qualidade de herdeiro e inventariante, o domínio e posse do imóvel, conforme já foi salientado, não cabe o aludido procedimento e sim a reintegração de posse” (TJRS, 4ª C., v.u., AC 18.318, rel. Des. Niro Teixeira de Souza, j. em 9/11/1960, RJ 58/200 apud Alexandre de Paula, ob. cit., § 2º, p. 1.443). : No mesmo sentido, no parágrafo segundo da p. 1.443 da mesma obra: TJSP, 3ª C., v.u., AC 54.253, rel. Des. Young da Costa Manso, j. em 6/02/1963, RT 346/323.

[40] V. Manuel Rodrigues. A Posse – Estudo de Direito Civil Português, Coimbra: Almedina, 1996, p. 242.

[41] Em relação à origem germânica, v. Konrad Cosack, Der Besitz des Erben [A Posse dos Herdeiros], Weimar, 1877, ed. de Hermann Böhlau, onde explica o conteúdo da frase “Der Todte erbt den Lebendigen”, de cujo conteúdo e ao mesmo tempo da ocorrência da morte já decorre a investidura em situação possessória : (“… und dessen Inhalt sei zugleich die Besitzerherbung” – p. 99). Autor austríaco, que escreveu sobre processo ‘não litigioso’ (onde se compreende o procedimento de inventário), observou que em relação ao herdeiro, não era necessário imití-lo na posse, ao tratar da aquisição de coisas móveis, por herança (v. Ferdinand Schuster, Commentar zum Gesetze über das Verfahren außer Streitsachen : [Comentário das leis sobre o processo, exceto assuntos litigiosos (jurisdição voluntária)], Viena, 1886, ed. Manz’sche e da Universidade, 3ª ed. melhorada, onde disse que tendo em vista o herdeiro, tanto em conformidade com as leis, quanto pelo entendimento aceito da praxe, em relação à autorização judicial na posse, uma tal entrega aos herdeiros não é necessária : (no original: “1. … Nach dem Geseße und der verständigen Praxis ist eine Einweisung in der Besiß, eine Uebergabe an die Erben nicht nöthig” - § 43, p. 101).

É um sistema de transmissão da posse que refoge ao sistema central do Código Civil em vigor (art. 1.784), e o mesmo ocorria com o art. 1.572, do Código Civil de 1916. No direito canadense de Québec, adverte-se na literatura que se há de distinguir entre possession e saisine, “consistindo esta num direito dos herdeiros, legatários ou do liquidante de apreender os bens do defunto, notadamente de administrá-los” (v. Denys-Claude Lamontagne, Biens et Propriété, Canadá - Québec: Cowansville, 1995, 2ª ed., A, nº 635, p. 348). Hugo Kress, na sua obra Besitz und Recht: Eine civilrechtliche Abhandlung [Posse e Direito – Uma abordagem civilística), Nuremberg e Leipzig, 1909, ed. U. E. Sebald, XI, § 26, letra “a”, p. 105, observa que, para que essa transmissão possa assim se verificar, necessário é que o direito civil (direito sucessório) assim o preveja, como é o caso do direito alemão e do brasileiro.

[42] A saisine é consagrada em muitos sistemas, como se vê de diversos Códigos Civis: (a) alemão: “§ 857 - Der Besitz geht auf den Erben über” (“A posse passa aos herdeiros”): (b) italiano: “art. 1.146 - Il possesso continua nell’erede con effetto dall’apertura della sucessione”: (c) espanhol: “art. 440 - La posesión de los bienes hereditarios se entiende transmitida al heredero sin interrupción y desde el momento de la muerte del causante, en el caso de que llegue a adirse la herencia”. É, em rigor, uma forma de proteção dos bens da herança, investindo o herdeiro na posse, independentemente de efetivo controle material, e, portanto, uma tal posse é estranha à sistemática da posse do Código Civil brasileiro (e, o era em relação ao de 1916) e dos sistemas em geral: (c) no direito italiano, em texto em que se distinguem, lado a lado, a sucessão universal e a particular: “Art. 1.146 Successione nel possesso. Accessione del possesso. Il possesso continua nell'erede con effetto dall'apertura della successione (456, 460). : Il successore a titolo particolare può unire al proprio possesso quello del suo autore per goderne gli effetti”.

[43] A possibilidade da junção de posses é argumento em favor do que aqui se expõe, pois que, se a junção pode ou não ser feita, dependendo da vontade, é certo que o possuidor atual não sucedeu na posse precedente.

[44] Ainda na vigência do CPC de 1939 a jurisprudência já se havia manifestado neste sentido: “IMISSÃO DE POSSE – CARÊNCIA DE AÇÃO – HIPÓTESE DE AQUISIÇÃO DE BEM IMÓVEL POR SUCESSÃO HEREDITÁRIA – VIA PROCESSUAL INADEQUADA – EXTINÇÃO DO PROCESSO. : Se bem que não registra a jurisprudência uniforme de orientação a respeito do cabimento da ação de imissão de posse, a doutrina exclui o adquirente de bens por sucessão causa mortis.” (TJSP, 3a Câmara Civil, v.u., AC 211.859, Rel. Des. Alves Braga, j. em 14/08/1972, JB 154/159).

E já na vigência do CPC de 1973, manteve o mesmo posicionamento: “E não há que se olvidar, ainda, que, em face do art. 1.572 do CC, invocado na inicial, aos herdeiros são transmitidos o domínio e a posse, nos termos em que o de cujus os exercia sobre os bens.” (TJRS, 3a Câmara, v.u., AC 585.017.981, Rel. Des. Egon Wilde, j. em 7/11/1985, JB 154/89).

[45] Onde se lê, in verbis: “Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”. No direito italiano, dispõe-se no Código Civil: “Art. 460 Poteri del chiamato prima dell'accettazione : - : Il chiamato all'eredità può esercitare le azioni possessorie (1168 e seguenti) a tutela dei beni ereditari, senza bisogno di materiale apprensione (1146)”.

[46] Xavier O’Callaghan Muñoz, Código Civil comentado y con jurisprudencia, Madrid: ed. La Ley, 2001, coms. ao art. 442, nº 2, p. 499, onde inclui, no mesmo regime jurídico, herdeiro e legatário, ou seja: “El texto legal es un tanto enrevesado [art. 442, do Código Civil espanhol], aunque inteligible. ‘El que suceda por título hereditario…’, es decir, lo que se estiende al legatario:…”.

[47] Neste rumo, já se decidiu: “A posse da herança se transmite, desde a abertura da sucessão, ao herdeiro, de modo que êle não tem a ação de imissão de posse, salvo se o de cujus adquirira o imóvel sem ter tomado posse.” (TJRS, 3ª C., AC 341, rel. Des. Pedro Soares Muñoz, RJTJERS 4/324).

[48] V. Beuthien/Hadding/Lüderitz/Medicus/Wolf, Studienkommentar zum BGB, erstes bis drittes Buch [Estudos e comentários ao Código Civil Alemão, do primeiro até o terceiro livro], Frankfurt, ed. Alfred Metzner, coms. ao § 857, 2, p. 452.

[49] V. Idem, ibidem, (quando tratam dos pressupostos de aplicação do § 857, do Código Civil alemão, equivalente ao art. 1.207, primeira parte), dizem que “Der Erblasser muß zur Zeit seines Todes noch Besitz haben” – (“O de cuius precisava ter posse no momento de sua morte”). Essa modalidade de posse filia-se à Gewere ideal : (v. Hans Planitz, Principios de Derecho Privado Germánico, Barcelona, ed. Bosch, 1957, tradução da 3ª ed. alemã, § 46, II, p. 160), existente, essa posse, também, no Código Civil suíço (art. 560), devendo-se sublinhar que na Gewere era menos acentuado o poder de fato sobre a coisa, do que no direito romano, ou seja, na Gewere admitia-se uma situação espiritualizada e não material, ou não tão material ou tão concreta, diferentemente do que ocorreu no direito romano (v. Planitz, op. ult. cit., § 46, I, p. 159). Autor suiço, anterior ao Código Civil Suíço, designou a posse do herdeiro como sendo “uma posse ideal” (v. Dr. Bluntschli, redator da lei objeto do trabalho intitulado Das zürcherische Sachenrecht mit Erläuterungen [O Direito das Coisas de Zurique com explicações], Zürich, Impressão e edição de Fr. Schultheß, 1854, p. 20, onde se lê: “Das Deutsche Grundsaß, daß mit dem Tode des Erblassers die Vermögensrecht unmittelbar auf die Erben übergehen wird hier auch auf den Uebergang des Besitzers anerkannnt, aber auf die gesetßliche Erbfolge beschränkt. … Es ist das allerdings eine Erweiterung des natürlichen Begriffs des Besiß, welche ihren allgemeinen Grund darin hat, daß der Rechtsschuß, der dem Besiß gewährt wird, diesen zu einem ----- wenn auch unvollkommenen ----- Rechtsbegriffe erhoben und so zur Anerkennung einer ideeles Besißes geführt hat, : und ihren besonderen Grund in der engen erbrechtlichen Verbingung der Erben mit dem Erblasser,…” – (“O princípio do direito alemão de que com a morte do de cuius imediatamente todos os bens passam aos herdeiros, deve ser reconhecido neste passo, mas tal como disciplinado pela lei da sucessão. … É, de qualquer forma, uma ampliação do conceito natural de Posse ----- ainda que incompleto ----, que em seus fundamentos gerais, implica que a defesa da Posse, a esta é garantida, acarreta que se reconheça [no caso] uma Posse Ideal. [E] o seu fundamento especial reside na ligação sucessório entre o herdeiro e o de cuius”).

[50] É, no fundo, a situação atualmente existente, porquanto o art. 1.196 fornece uma noção de posse, e, os arts. 1.204 e 1.223, ao tratarem da aquisição e perda da posse, a essa situação descrita no art. 1.196 se reportam: o 1.204 implicitamente e o 1.223 explicitamente, pois remete (textualmente) para o art. 1.196.

[51] V. Detlev Joost, Bürgerliches Gesetzbuch, Münchener Kommentar, Sachenrecht [Código Civil, Comentário de Munique, Direito das Coisas], ed. 1997, cit., vol. VI, coms. ao art. 854, III, 9, letra “a”, p. 34 - no original: “Für den Besitzwillen ist es nicht erförderlich, daß der Besitzer die Sache beim Erwerb kennt. Es genügt ein allgemeiner Wille, die tatsächliche Sachherrschaft zu erlangen”. (destaque do original)

[52] V. Johannes Biermann, Das Sachenrecht des Bürgerlichen Gesetzbuchs [O Direito das Coisas do Código Civil], 2ª edição melhorada, Berlim, ed. Carl Heymanns, 1903, I, Secção, Posse, p. 7, nº 4. V., ainda, Carl Friedrich Ferdinand Kniep, Der Besitz des Bürgerlichen Gesetzbuches gegenübergestellt dem römischen und gemeinen Recht [A Posse no Código Civil colocada lado a lado à do direito romano e comum], Jena, 1900, III, A, § 15, p. 91. Pode-se dizer que se trata de doutrina corrente.

[53] Hernández Gil, La Posesión, Obras Completas, Madrid, ed. Espasa-Calpe S.A., 1987, p. 240.

[54] Igualmente no direito italiano (v. Roberto Beghini, Le Azioni a difesa del possesso, Padova, ed. CEDAM, 2002, cap. I, nº 4, p. 19), a jurisprudência firme ------ conquanto omisso o Código Civil italiano a respeito ------ é no sentido de que se trata de ato não negocial, para o qual, portanto, “non è necessaria la capacità di agire”, senão que é “sufficiente la capacità di intendere e di volere (capacità naturale)”, normalmente sendo dotado desta capacidade meramente volitiva, o menor de idade.

[55] Para um panorama amplo do significado desse texto, v. Moreira Alves, A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 1986, Parte VII – O Negócio Jurídico no Projeto de Código Civil brasileiro, nº 1, pp. 86-98 (na recente 2ª edição desse livro, São Paulo, Saraiva, 2003, v. pp. 100-127), sendo que, na nota de rodapé da p. 98, referem-se exemplos que se abrigam no âmbito desse art. 185 (à época, art. 183, do Anteprojeto de 1973), tais como a ocupação (‘um garoto de sete anos torna-se proprietário do peixe que pesca’), não acarretando a incapacidade a nulidade do ato, tal como se se tratasse de uma compra e venda (de um bem com valor elevado). Diz-se textualmente que “O garoto de seis, sete ou oito anos tem perfeitamente consciência do ato de assenhoreamento: …” (ob. cit., p. 98).

[56] V. Savigny, Das Recht des Besitzes, cit., § 5º, p. 44: “Da nämlich der Besitz ursprünglich ein Factum ist so ist seine Existenz von allen den Regeln unabhängig, welche das Civilrecht oder auch das jus gentium über den Erwerb und Verlust von Rechten aufgestellt haben. So kann durch Gewalt der Besitz erworben und verloren werden, obgleich Gewalt durchaus keine juristische Handlung ist:...” ? “Em realidade, a posse não sendo, em princípio, senão que um simples fato, sua existência é independente de todas as regras traçados pelo direito civil, ou mesmo pelo jus gentium para a aquisição de direitos. Desta forma, a aquisição ou a perda da posse podem resultar da violência, ainda que esta última não seja, certamente, um ato jurídico” ??? na edição francesa, Traité de la Possessión en Droit Romain, tradução de Henri Staedler, da 7ª edição alemã, 4ª edição francesa, Paris, 1903, § 5º, pp. 20-21. Nesse sentido, igualmente, a doutrina recente: a posse, em si mesma, é um fato (v. Jan Shapp e Wolfgang Schur, Sachenrecht [Direito das Coisas], Munique, 2002, ed. Vahlen, § 5º, b, nº 44, p. 26, onde se lê que a “Posse é fato, não direito” (“Der Besitz ist Tatsache, kein Recht” – destaque do original), o que não quer dizer que para esses autores, também, que não ocorram significativas conseqüências jurídicas, a partir ou ainda que a partir da afirmação categórica de que a posse ---- em si mesma ---- é um fato. Em realidade, a afirmação feita por esses autores (inclusive Savigny) deve ser lida como significando que a posse é apenas um fato, em si mesma considerada. Essa afirmação, por certo, não se estende ao conjunto imenso de efeitos jurídicos, que derivam do “fato” da posse, efeitos esses disciplinados pelo direito.

[57] V. Heinrich Dernburg, Pandekten [Pandectas], Berlim, 1884, ed. H. W. Müller, vol. I, § 177 [capítulo intitulado Originalidade da Posse], p. 400, que se inicia com a frase “Toda aquisição possessória é originária” - “Aller Besitzerwerb ist originär”. Firmando entendimento substancialmente igual, v. Konrad Cosack no seu Lehrbuch des bürgerlichen Rechts auf der Grundlage des Bürgerlichen Gesetzbuchs [Compêndio de direito civil com base no Código Civil (alemão)] vol. 2, Das Sachenrecht [Direito das coisas]. Das Recht der Wertpapiere [O Direito dos Títulos-Valores], Das Gemeinschaftsrecht [O Direito de Sociedade]. Das Familienrecht [O Direito de Família], Das Erbrecht [O Direito da Sucessão], Jena, ed. Gustav Fischer, 1904, § 186, IV, p. 69, onde diz: “Der Besiß des Erwerbs reicht nur soweit als die von ihm erlangte tatsächliche Herrschaft” – (“A aquisição da posse ocorre na medida em que se alcança a senhoria de fato”).

[58] Anton Randa, Der Besitz nach österreichem Rechte, mit Berücksichtigung des gemeinen Rechtes, des preußichen, französichen und italienischen, des sächsischen und Zürichershen Gesetsßbuchs [A posse no direito austríaco, considerados o direito comum, da Prússia, dos franceses e italianos, da Saxônia e do Código Civil de Zurich], Leipzig, 1876, 2ª ed., edição de Breitkopf e Härtel, § 15, p. 146, no capítulo em que responde, negativamente, à questão consistente em saber se ‘existe sucessão na posse’ (“Findet eine Sukzession in den Besitz statt”?).

[59] É o que ensina Pontes de Miranda, no seu Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro, ed. Borsoi, 3ª ed., tomo X, § 1.081, 1, p. 149, em relação ao sistema anterior, ao considerar a aquisição da posse como decorrência, ou, no bojo (ou, através) de negócio jurídico. Diz que em tal hipótese “…trata-se apenas de saber se o outorgado está em posição (=em circunstância) de poder exercer o poder fáctico”. Ou seja, não há uma relação de causa e efeito entre um negócio jurídico onde consta ter sido transferida a posse, e a efetiva transferência da posse, pela assunção do controle material pelo outorgado.

[60] Na literatura portuguesa, em texto doutrinário rente ao Código Civil português, em que se apontam como formas de aquisição: (a) o apossamento (art. 1.263, alínea “a”): (b) a inversão do título da posse (art. 1.269, alínea “d”): (c) o constituto possessório (art. 1.263, alínea “c”) e (d) a sucessão (art. 1.255): em outro texto, ocupa-se o legislador nas formas das letras “b” a “d” [do art. 1.263, do Código Civil português] - (v. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2ª ed., Lisboa, ed. Quid Juris, 1977, nº 150, p. 286), elenco esse válido, em suas linhas gerais, para o direito brasileiro, observando-se que o art. 1.255 trata da sucessão universal. As letras “b”, “c” e “d”, do art. 1.263, referem-se, respectivamente, à tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo anterior possuidor, ao constituto possessório e à inversão do título da posse. É situação, portanto, a que está regulada no art. 1.263, com o título aquisição da posse, diferente daquela do art. 1.255. Observa-se na literatura, na hipótese do art. 1.255, “que o sucessor não precisa de praticar qualquer ato material de apreensão ou de utilização da coisa, …” mesmo porque “ele pode inclusivamente ignorar a existência da posse” (Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, coms. ao art. 1.255, nº 3, p. 13).

[61] A este propósito, Manuel Antonio Laquis (in Derechos Reales, B. Aires, 1975, ed Depalma, t. I, seção II, nº 5, p. 353), com apoio em Héctor Lafaille, ensina que: “En lo que respecta a la entrega de la cosa, estimo que según la regla del art. 2.378 [do Código Civil argentino], lo que efectivamente no basta para la tradición se opere es la ‘sola declaración de dar desposeido o de dar la posesión’” (grifou-se).

Acentua ainda Manuel Antonio Laquis que, mera declaração (de que ocorreu transferência da posse) é inócua. E aduz que necessário se faz, sempre, além da observância da legalidade, que a coisa tenha sido efetivamente entregue.

E a este propósito Manuel Antonio Laquis invoca farta jurisprudência argentina, a saber: “Se ha resuelto que la‘sola declaración del tradente de darse por deposeido, o de dar al adquirente la posesión de la cosa, no suple las formas legales’” (B. Aires, 6. c. 1964: A.S., 1964-II — 1.210: Repertório La Ley. XXX, J-Z, nº 2, 1.318, 1970) (Laquis, op. ult. cit., p. 354).

Ainda, também é jurisprudência constante que não é suficiente à aquisição da posse “La declaración del cesionario efectuada en la escritura de cesión de que transfere ‘los derechos de posesión sobre el inmueble no suple las formas que establezcan los arts. 2.078 al 2.380 del Código Civil’” (S.C.B. Aires, 28/03/67, Saverio, Guilhermo o Guilhermo: DJBA, B1-257: repertório La Ley, XVIII, 1967-68, J-Z, nº 7, p. 2.177) — apud Laquis, op. ult. cit., p. 354.

[62] É esse o entendimento dominante na Alemanha (Detlev Joost, Bürgerliches Gesetzbuch, Münchener Kommentar, Sachenrecht [Código Civil, Comentário de Munique, Direito das Coisas], Munique, 1997, ed. C. H. Beck, vol. 6º, coms. ao § 854, III, 3, p. 33).

[63] Veja-se Manuel Rodrigues, A Posse, Estudo de Direito Civil Português, Coimbra, Livr. Almedina, 1996, nº 35, p. 175.

[64] O que se dizia sobre esse art. 493, inc. III, do Código Civil de 1916, é que a aquisição da posse, nesse caso, podia, também, decorrer de um negócio jurídico, mesmo porque o par. ún., desse art. 493 rezava: “É aplicável à aquisição da posse o disposto neste Código, arts. 81 a 85”. Lafayette, a respeito da aquisição, escreveu: “Posse civil é a que se adquire por força da lei, sem necessidade de apreensão material da cousa. Também se denomina posse civil a que tomada de maneira conforme a lei” (cf. Lafayette Rodrigues Pereira, Direito das Cousas, Rio de Janeiro, Garnier, 1877, vol. I, § 8º, nº 4, p. 25). Nesse “conforme a lei” incluía-se, também, o constituto possessório. A aplicação dos arts. 81 a 85 do Código Civil de 1916 demandava ser entendida no contexto da chamada ‘aquisição’ da posse, ou seja, era necessário que efetivamente aquele ‘a quem se houvesse transmitido a posse’ houvesse realmente assumido a condição de possuidor. : É essa situação a que está abrigada pela letra “b”, do art. 1.263, do Código Civil português.

O Prof. Rubens Limongi França (in A Posse no Código Civil, São Paulo, José Bushatsky, 1964, cap. II, 1, p. 31), distinguindo entre o jus possidendi e o jus possessionis, discrimina que: “a extensão do parágrafo único do art. 493 [do Código Civil de 1916] não alcança a mera posse, não fundada em direito. Seu objeto é exprimir que não pode invocar o jus possidendi aquele que não é titular do respectivo direito regularmente adquirido: por exemplo, não pode um pretenso proprietário, cujo título é nulo em razão da ilicitude de objeto, invocar em seu favor a posse inexistente, porque a sua causa jurídica, o título, é viciada”. Ainda aqui, em nosso sentir, era sempre necessário que se demonstrasse a efetiva titularidade da posse, enquanto controle material.

[65] Rigorosamente conforme ao disposto no art. 1.267, caput, e à jurisprudência argentina supra referida, é também a própria tradição do direito suíço (v. Johannes Haberstich, Beiträge zur Orientirung im Gebiete des schweiz. Rechtes [Contribuições para orientação no âmbito do direito suiço], Aarau, ed. de H. R. Sauerländer, 1883, 9, nº 199, p. 129, onde diz: “Soll in Folge eines Vertrages Eigenthum an bewegliche Sachen, übertragen werden, so ist Besißübergabe erforderlich” – “Em conseqüência de um contrato sobre a propriedade de coisas móveis, deve a posse necessariamente ser transferida” – destacou-se), como também do direito alemão, cf. Konrad Cosack, op. e loc. supra cit.

Somente o que pode ser objeto de posse é suscetível de constituir-se no objeto material da tradição (v. Adolf Exner, Die Lehre vom Rechtserwerb durch Tradition nach österreichischem und gemeinem Recht [Dissertação sobre a aquisição de direito através da Tradição no direito austríaco e direito comum], Viena, G. T. Manz’schen, 1867, II (“Objeto da Tradição”), p. 23 (“…denn nur was besessen werden kann, kann tradiert werden” – “somente o que pode ser possuído, pode ensejar tradição”).

[66] É o que afirmam Adolf Exner (op. ult. cit., I, p. 1), acolhendo o entendimento de Neuner (v. Georg Karl Neuner, : Wesen und Arten der Privatrechtsverhältnisse [Conceitos e espécies de relações jurídicas privadas], Kiel, ed. Schwers’sche, 1866, p. 166 e seguintes: à p. 118): afirma, sucessivamente, Adolf Exner que “III. Na verdade, é a substância (“Stoff”) do direito do auctor o objeto da sucessão singular, a qual, por isso não se altera, …” – no original: “III. An der Wahrheit, daß der Stoff des Rechts des auctor das Objekt der Singular Sucession ist, wird auch dann nichts geändert,……”). Ou seja, distingue-se entre transferência de relação jurídica e posse.

[67] Autor italiano (v. Michele Carboni, Il Posesso ed i Diritti Reale, in Generale, Torino, ed. Fratelli Bocca, 1916, cap. V, nº 2bis, p. 156), que escreveu na vigência do precedente Código Civil italiano, ao considerar a hipótese de aquisição da posse através de negócio jurídico bilateral, observa que há de distinguir-se entre o acordo bilateral, inerente ao negócio jurídico bilateral e a aquisição da posse, pois “a aquisição da posse é apenas poder de fato” - “l’acquisto del possesso ch’è soltanto poter di fatto”.

[68] “A rigor, o adquirente de imóvel, com a cláusula constituti, não tem direito à ação de imissão, porque esta, graças àquele instituto, já lhe foi deferida, e o vendedor se se mantém no imóvel vendido, exerce, em nome daquele, a posse do imóvel.” (TJMG, 3ª C., v.u., AC 11.427, rel. Des. Helvécio Rosenburg, Jurisprudência Mineira 10/54 apud Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1960, Forense, vol. XIX, § 6º, p. 826). Este acórdão não parece espelhar o melhor entendimento, porquanto, ainda que tenha havido o constituto, o adquirente, de fato, não tem posse. Quem a tem, ainda, é o vendedor. De tal forma, parece-nos que cabimento teria a ação de imissão na posse.

[69] Acórdão do STF entendendo que a tradição “de direito” vale como transmissão do domínio (e não da posse), e, então, há de se lhe atribuir : direito à ação de imissão, assim consignou: “A inscrição do recibo de compra e venda de automóvel no registro público dispensa a tradição, ou vale como tradição simbólica, para o efeito de transmitir o domínio ao comprador. : Pode este, em conseqüência, reclamar a imissão na posse com fundamento no Código de Pro cesso Civil, arts. 381, I, e 382” (STF, 2ª T., v.u., RE 51.592, rel. Min. Vítor Nunes Leal, DJ 11/07/1963, p. 529 apud Alexandre de Paula, O Processo Civil à Luz da Jurisprudência, Rio de Janeiro, 1968, Forense, § 5º, vol. XXXI, p. 1.433).

[70] V. Carlo Alberto Funaioli, La Tradizione, Padova, 1942, ed. CEDAM,  :nº 53, p. 198.

[71] V. Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], cit., § 5º, p. 44-45, sublinhando que nenhum possuidor é sucessor da posse do que precedentemente tinha posse.

[72] Cf. Alois Brinz, em trabalho publicado no Jahrbuch des gemeinen deutschen Rechts [Anuário do Direito comum alemão], vol. III, p. 16 e seguintes, intitulado Possesionis Traditio (ano 1859), § 2º, p. 19.

[73] Apud, Funaioli, ob. cit., p. 199.

[74] V Lodovico Barassi, Diritti Reali e Possesso, Milano, 1952, Giuffrè, vol. II, pp. 210 e 326.

[75] V. Michele Carboni, Possesso, cit., p. 154.

[76] V. Funaioli, ob. cit., nº 53,  :p. 201.

[77] V. Bernhard Windscheid, Die Actio des römischen Civilrechts, vom Standpunkte des heutigen Rechts [A ação do direito civil romano, do ponto de vista do direito contemporâneo], Düsseldorf, ed. Julius Budeus, 1856, p. 157.

[78] V. System des heutigen römischen Rechts [Sistema do direito romano atual], Berlim, 1840, ed. Veit &: Comp., vol. III, Livro II (“Relações Jurídicas”), Capítulo III (Nascimento e Desaparecimento), § 105, p. 10, fine e 11. No original: “Der Begriff der Sucession führt uns auf eine Betrachtungsweise, worin die angegebene Stellung der Person gegen das ihr zukommende Recht umgekehrt erscheint. Das Recht kann nun als das Substantielle und Bleibende gelten, in dem es in einer Reihe auf einander folgender wechslender Inhaber unverändert fortdauren kann”.

[79] Código Civil, art. 481, idêntico ao art. 1.122, do Código Civil de 1916.

Ver, com alto proveito, obra escrita antes da vigência da Lei 10.444, de 7 de maio de 2002: Ovídio Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, São Paulo, 2000, 4ª ed., Revista dos Tribunais, vol. 2, nº 3.5, p. 240. V. também, do mesmo autor, A Ação de Imissão na Posse – no direito brasileiro atual, São Paulo, 1981, ed. Saraiva, passim.

[80] Parece-nos, como se disse no texto, que diante do que veio a ser disposto no art. 461-A, do Código de Processo Civil, altera-se a solução clássica. Dispõe esse texto:

“Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

§ 1o Tratando-se de entrega de coisa determinada pelo gênero e quantidade, o credor a individualizará na petição inicial, se lhe couber a escolha: cabendo ao devedor escolher, este a entregará individualizada, no prazo fixado pelo juiz.

§ 2o Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á em favor do credor mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel.” (O art. 461-A e seus parágrafos foram incluídos no CPC pela Lei no 10.444, de 7/05/2002)

Flávio Cheim Jorge, a respeito da novidade trazida pela Lei 10.444, asseverou: “Após a bem-sucedida alteração de 1994 do regime jurídico relativo às obrigações de fazer e não fazer, em que as funções de cognição e execução passaram a ser realizadas numa mesma relação jurídica processual, por intermédio da técnica mandamental ou executiva lato sensu, o legislador da Lei n. 10.444/2002 decidiu acolher a sugestão de Teori Albino Zavascki e assim estender o mesmo tipo de tratamento para as obrigações de entrega de coisa.” (Cf. Flávio Cheim Jorge, A nova reforma processual, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 216).

A propósito, Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina elucidam: “O que fez o art. 461-A, na verdade, foi transformar a ação para entrega de coisa em ação executiva lato sensu (art. 461-A, § 2.º). Não cumprida a obrigação no prazo estabelecido, expedir-se-á, diz a lei, mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse.” (Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, 3.ed, São Paulo, RT, 2005, p. 240).

Essa solução já era preconizada ---- antes mesmo do advento da Lei 10.444 e, portanto, do acréscimo do art. 461-A ---- por Marcelo Lima Gerra, in verbis: “o direito fundamental ao processo devido impõe uma interpretação que considere autorizado o uso daquelas medidas coercitivas para assegurar a execução específica da entrega de coisa.” (Execução indireta, São Paulo, Ed RT, 1998, p. 185 - os grifos são nossos)

[81] Pela Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, em conformidade com o seu art. 475-I, a execução em relação às hipóteses disciplinadas pelos arts. 461 e 461-A passa a ser exaurientemente disciplinada por esses mesmos textos. O art. 475-I dispõe: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei [refere-se ao Código de Processo Civil] ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo”.

[82] Eram os seguintes os textos que regiam a ação de imissão na posse no Código de Processo Civil de 1939:

“Art. 381. Compete a ação de emissão de posse:

I – aos adquirentes de bens, para haverem a respectiva posse, contra os alienantes ou terceiros, que os detenham:

II – aos administradores e demais representantes das pessoas jurídicas de direito privado, para haverem dos seus antecessores a entrega dos bens pertencentes à pessoa representada:

III – aos mandatários, para receberem dos antecessores a posse dos bens do mandante.

Art. 382. Na inicial, instruída com o título de domínio, ou com os documentos da nomeação, ou eleição, do representante da pessoa jurídica, ou da constituição do novo mandatário, o autor pedirá que o réu seja citado para, no prazo de dez (10) dias, contados da data da citação, demitir de si a posse dos bens, ou apresentar contestação, sob pena de, à sua revelia, expedir-se mandado de imissão de posse, sem prejuízo das perdas e danos que em execução se liquidarem.

Parágrafo único. Se a ação não for contestada, serão os autos conclusos ao juiz, que poderá, desde logo, ordenar a expedição do mandado de imissão de posse.

Art. 383. Oferecida a contestação, a causa tomará o curso ordinário.

Parágrafo único. Salvo quando intentado o processo contra terceiro, a contestação versará somente sobre nulidade manifesta do documento produzido.”

[83] V. Pontes de Miranda, Tratado das Ações, São Paulo, 1978, ed. da Revista dos Tribunais, vol. VII, capítulo VIII, p. 194.

[84] Dispõe o Código de Processo Civil, no particular:

“Art. 927. Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse:

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu:

III - a data da turbação ou do esbulho:

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção: a perda da posse, na ação de reintegração”.

O autor, quando o inc. I, do art. 927, se refere a que lhe incumbe ‘provar a sua posse’, quer significar o titular da posse precedente, i.é, aquele que foi esbulhado e que propõe a ação possessória para recuperar essa posse que tinha.

ARRUDA ALVIM

Advogado em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília – Professor no Mestrado da Faculdade Autônoma de Direito em São Paulo (FADISP) e Professor no Mestrado e Doutorado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


ALVIM, Arruda Alvim. Notas sobre o Ius Possessionis e o Ius Possidendi e sua Proteção no Processo ?? (ausência de sucessão na posse e a ação de imissão na posse)* ** ***. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 15, nº 1211, 11 de Março de 2015. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/notas-sobre-o-ius-possessionis-e-o-ius-possidendi-e-sua-protecao-no-processo-ausencia-de-sucessao-na-posse-e-a-acao-de-imissao-na-posse.html
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Notas sobre o Ius Possessionis e o Ius Possidendi e sua Proteção no Processo ?? (ausência de sucessão na posse e a ação de imissão na posse)*   **   *** - SUMÁRIO: 1. Traços característicos e peculiaridades da posse: 2. As categorias do ius possessionis e do ius...

Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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