LITISCONSÓRCIO (CPC, ARTS. 46 a 49)
O Código de Processo Civil em seus artigos 46 a 49 trata do litisconsórcio e suas modalidades. O artigo 46[1] do Código de Processo Civil demonstra o conceito de litisconsórcio e suas hipóteses de cabimento. O litisconsórcio representa a pluralidade de partes, caracterizado pela coexistência de duas ou mais pessoas, tanto do lado ativo, quanto do lado passivo, numa determinada relação processual.
Em suma, o litisconsórcio é a possibilidade que existe de mais de um litigante figurar em um ou em ambos os pólos da relação processual. Caracteriza a pluralidade subjetiva da lide. Quando ocorre o litisconsórcio, há cumulação subjetiva de ações.[2]
Há três classificações do litisconsórcio. Quanto a sua obrigatoriedade, poderá ser :facultativo ou :necessário, quanto a sua formação, poderá ser :inicial ou :ulterior e, quanto à pluralidade de partes, poderá ser :ativo(vários autores), :passivo(vários réus) ou misto(vários autores e vários réus).
O litisconsórcio é inicial quando surgir no início do processo, na constituição da relação processual, e ulterior quando surgir no curso do processo, depois de constituída a relação processual.
A expressão :“podem” contida no caput do artigo 46 do CPC, indica que a hipótese ali elencada é o litisconsórcio facultativo. Portanto, sempre que presentes às hipóteses apresentadas no art. 46 o litisconsórcio será facultativo.
A facultatividade do litisconsórcio é a regra geral. Ele se revela na coexistência de pessoas num dos lados da relação processual, ou em ambos, não exigida pela lei. O litisconsórcio é excepcionado quando ocorrer uma razão específica que o faça necessário.[3]
Diz-se facultativo o litisconsórcio cuja formação depende da vontade das partes. A vontade das partes, porém, não é arbitrária: condição é que o litisconsórcio, para ser admitido, incida num dos casos especificados no art. 46 do Código de Processo Civil.[4]
Exemplo típico de litisconsórcio facultativo é o que consta no inciso III do artigo 46 do Código de Processo Civil, que traz a seguinte redação:“ Art. 46, inc.III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir”. Cabe aqui alguns exemplos: o credor acionando os co-devedores solidários ou vários credores solidários acionando o devedor comum. Neste caso, Moacyr Amaral dos Santos[5] diz:
“A admissibilidade do litisconsórcio fundado na conexão de causas justifica-se por dois motivos: 1º) o princípio da economia processual recomenda se reúnam no mesmo processo as várias lides, disso resultando redução de tempo, despesas e atividades processuais: 2º) a reunião de várias lides conexas, no mesmo processo, evita a possibilidade de sentenças contraditórias”.
Há também outras hipóteses nos demais incisos do artigo 46 do CPC, como a comunhão de direitos e obrigações(art. 46, inc.I), o mesmo fundamento de fato e de direito(art.46, inc. II), a conexão, já supra referida(art. 46, inc. III) : e a afinidade de questões(art. 46, inc. IV): todas elas fontes do litisconsórcio facultativo.
O parágrafo único do artigo 46 do Código de Processo Civil introduziu a limitação do litisconsórcio facultativo, viabilizando a sua dissolução.
Essa dissolução ocorre quando o juiz limita , mas não extingue e nem recusa o litisconsórcio. Ocorre neste caso o denominado litisconsórcio multitudinário, caracteriza-se quando houver um número muito grande de litisconsortes facultativos no processo.
Conforme destaca Dinamarco em sua obra:“Quando num processo se reúnem litisconsortes em número muito elevado, é intuitivo o embaraço que isso pode trazer à marcha do procedimento, o tumulto, a dificuldade para julgar”[6].
A iniciativa da dissolução pode partir de ato de ofício do juiz ou de requerimento do réu. Ao despachar a inicial o juiz deve verificar se há litisconsórcio multitudinário, avaliando se é o caso de propor o desdobramento das ações. Ou, ainda, cabe ao réu em contestação impugnar a formação do litisconsórcio multitudinário.
No artigo 47[7] do Código de Processo Civil traz outra modalidade de litisconsórcio, o litisconsórcio necessário.
O litisconsórcio necessário se dá por disposição de lei ou pela própria natureza da pretensão à tutela do direito. A lei em muitos casos impõe a formação do litisconsórcio necessário, vejamos alguns exemplos: nas ações de direitos reais imobiliários em que marido e mulher são autores, ação de dissolução de sociedade, ação pauliana, ações de partilha, entre outros.
Exatamente porque o litisconsórcio é necessário, o juiz, quando ele não se forma, determinará ao autor que tome as providências para constituí-lo. Vale dizer: considerando o juiz que o litisconsórcio é necessário e que se não constitui, ordenará o chamamento para o processo dos litisconsortes, providência que deverá tomá-la o autor, promovendo a sua citação.[8]
O litisconsórcio necessário poderá ser simples ou unitário. Há litisconsórcio simples sempre que a ação somente pode ser intentada a favor ou contra duas ou mais pessoas, seja por disposição de lei ou por razão da natureza jurídica da lide.
Dá-se litisconsórcio unitário, quando a decisão de uma relação jurídica houver de ser uniforme a todos os litisconsortes.
No litisconsórcio unitário, a situação jurídica litigiosa submetida à apreciação judicial tem de receber disciplina uniforme, não se concebendo que a decisão da lide seja uma para este e outra para aquele colitigante.[9]
O artigo 48 do Código de Processo Civil traz em sua redação o seguinte:
“Art. 48: Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos: os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”.
O artigo refere-se ao regime do litisconsórcio simples. Os litisconsortes simples são considerados litigantes distintos e independentes uns dos outros. Seus atos podem ser cindidos e não aproveitam nem beneficiam os demais. Os atos de disposição de direito (confissão, renúncia, reconhecimento do pedido, etc.) efetuados por um litisconsorte simples têm validade e plena eficácia.[10]
Cabe aqui colacionar alguns julgados pertinentes à matéria:
“ O reconhecimento da decadência em relação a um litisconsorte não impõe, necessariamente, a mesma solução quanto ao outro”.(RSTJ 63/352)
“Se nem todos os litisconsortes contestaram a ação e se a defesa de todos não for idêntica, é cabível a decretação de revelia dos que se omitiram”.(RT 631/122)
No artigo 49 do Código de Processo Civil[11] exemplifica a autonomia dos litisconsortes. Cada litisconsorte é considerado parte distinta dos demais, devendo ser intimado individualmente de todos os atos processuais, que não beneficiarão nem prejudicarão os outros litisconsortes. Essa autonomia é plena nos casos de litisconsórcio simples, podendo até, nos casos de solidariedade entre eles, haver extensão subjetiva do recurso interposto por um, aproveitando aos demais que não recorreram.[12]
Em síntese, a presença de litisconsórcio no processo representa, ao lado de uma cumulação subjetiva, também, uma cumulação objetiva, é dizer, a presença de várias ações em um único processo. Por isso, normalmente, a formação do litisconsórcio poderia ser tranqüilamente substituída por tantas ações quantas fossem as partes que integram o litisconsórcio. A formação do litisconsórcio, então, na grande maioria das vezes, responderá a uma conveniência de aceleração e de decisão uniforme aos conflitos de interesse.[13]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHIOVENDA, Giuseppe. :Principii di diritto processuale civile. Nápoles: Jovene, 1928.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. SP: Malheiros.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. :Manual do Processo de Conhecimento. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
NEGRÃO, Theotonio:GOUVÊA, José Robreto F.. Código de Processo Civil e Legislação Processual em vigor. 36ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
NERY JUNIOR, Nelson: NERY,Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante, SP: Revista dos Tribunais, 2004
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. SP: Saraiva, 2002.
[1] Art. 46. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide:
II – os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito:
III – entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir:
IV – ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito.
Parágrafo único. O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para a resposta, que recomeça da intimação da decisão.
[2] NERY JUNIOR, Nelson: NERY,Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante, SP: Revista dos Tribunais, 2004, p.472.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. SP: Malheiros, p.314.
[4] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. SP: Saraiva, 2002, p.7.
[5] Op. cit., p. 8.
[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. SP: Malheiros, p.344.
[7] Art. 47:”Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes: caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”.
Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.
[8] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. SP: Saraiva, 2002, p.6.
[9] MARQUES, Frederico :apud SANTOS, Moacyr Amaral.
[10] NERY JUNIOR, Nelson: NERY,Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante, SP: Revista dos Tribunais, 2004, p.482.
[11] Art. 49:”Cada litisconsorte tem o direito de promover o andamento do processo e todos devem ser intimados dos respectivos atos”.
[12] Op. cit., p. 483.
[13] MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento, SP: Revista dos Tribunais, 2004, p.194.
PEREIRA, Flávia do Canto Pereira. LITISCONSÓRCIO (CPC, ARTS. 46 a 49). Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 5, nº 258, 15 de Mai de 2005. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/litisconsorcio-cpc-arts-46-a-49.html