25.05.05 | Lusmary Fátima Turelly da Silva

Ações acidentárias – Competência da Justiça comum – Sentença

Processo nº 1.05.0357884-7

 

Vistos.

Dita o artigo 109, inciso I e § 3º, da Constituição Federal, que:

 

Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho:

...

§ 3º. Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca nãos eja sede de vara do juízo federal e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processas e julgadas pela justiça estadual.

 

Como é sabido, a competência da Justiça Estadual, como colocada na Carta Constitucional, é residual.

 

Ora, o inciso I do artigo 109 (não modificado pela Emenda Constitucional nº 45/04), expressamente, afastou da Justiça Federal as ações de acidente do trabalho, colocando-as na Justiça Estadual.

 

Se os acidentes de trabalho (aí compreendidas as doenças laborais) fossem de competência da Justiça do Trabalho, não haveria necessidade alguma da sua inclusão no inciso em comento, bastaria somente excepcionar a Justiça Laboral, gênero do qual os acidentes/doenças do trabalho seriam espécie.

 

O texto constitucional deve ser enxuto, não desce a minúcias, o que significa dizer que, no caso do inciso I do artigo 109 da Carta Magna, houve uma razão para o legislador constitucional assim proceder.

 

De outro lado, não há nos incisos do artigo 114 da Constituição Federal (este sim modificado pela EC nº 45/04), em especial no inciso VI, a expressão “acidentes do trabalho” (ou doenças laborais).

 

Decorre da exegese desses dois artigos constitucionais (109 e 114), na redação atual, que os acidentes/doenças laborais ficaram onde já estavam – na Justiça Comum Estadual.

 

Antes da Reforma do Judiciária, advinda com a Emenda Constitucional nº 45/04, a interpretação dos artigos 109 e 114 da Constituição Federal também era assim, tanto na dicção da legislação infraconstitucional, quanto na das Súmulas dos Tribunais Superiores:

 

LEI 8.213/91

Art. 129. Os litígios e medidas cautelares relativos a acidentes do trabalho serão apreciados:

...

II – na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à Previdência Social, através de Comunicação de Acidente do Trabalho-CAT.

 

CLT

Art. 643. Os dissídios oriundos das relações entre empregados e empregadores, bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma :estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.

...

§ 2º. As questões referentes a acidentes do trabalho continuam sujeitas à jsutiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934, e legislação subseqüente.

 

DECRETO nº 3.048/99

Art. :344. Os litígios e medidas cautelares relativos aos acidentes de que trata o art. 336 serão apreciados:

...

II :- :na via judicial, pela Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo o rito sumaríssimo, inclusive durante as férias forenses, mediante petição instruída pela prova de efetiva notificação do evento à previdência social, através da Comunicação de Acidente do Trabalho.

(OBS.:esse Decreto foi revogado por Decreto da Presidência da República, em 13.05.91, mas sem que tenha ocorrido alteração da disposição contida no artigo celetista).

SÚMULAS

15 do STJ – Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho.

 

501 do STF – Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em amabs as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista.

 

Mesmo com a superveniência da Súmula nº 736 do STF, atribuindo competência à Justiça do Trabalho para julgar ações cuja causa de pedir seja o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, esse quadro não se modificou, conquanto o verbete não menciona o julgamento dos litígios decorrentes de acidente de trabalho. Também não disse ter revogado a Súmula nº 501. E, ainda, dentre os procedentes que ocasionaram a edição da Súmula nº 736 não se tem nenhum daqueles que vinham embasando as decisões do c. STF para manter as causas de acidentes do trabalho na Justiça Estadual. Apenas um deles poderia suscitar alguma dúvida, por referir-se a acidente do trabalho, entretanto, se trata de um julgamento de dezembro/2001 e, posteriomente, em 2003, o STF, em ambas as Turmas, sempre afirmou a competência da Juustiça Estadual Comum para o julgamento dos feitos concernentes a acidentes do trabalho, seja contra o INSS, seja contra o emrpegador. Os outros precedentes nada têm a ver com acidente do trabalho. É assim o pronunciamento dos Desembargadores Adão Sergio do Nascimento Cassiano e Luiz Lúcio Merg, respectivamente, das Nona e Décima Câmaras Cíveis de nosso e. Tribunal de Justiça, através das decisões monocráticas nos autos dos agravos de instrumento nºs 70008226508 e 70009136532.

 

Ainda, no Rio Grande do Sul e, mais especificamente em Porto Alegre, esta Vara de Acidentes do Trabalho tem sua competência estabelecida através do artigo 125, § 1º, da Constituição Federal, c/c o artigo 95 (inciso V, “e”) da Constituição Estadual e artigos 73 (inciso V, “a”) e 84 (inciso VII) do COJE.

 

Voltando aos artigos constitucionais 109 e 114, não ficando apenas numa interpretação gramatical/literal e sistemática, mas também teleológica, lendo toda a tramitação da PEC nº 96/92, perante a Câmara dos Deputados, verifica-se qual foi a intenção ou finalidade do legislador constituinte, no momento exato da tramitação da proposta de emenda constitucional supramencionada. E tem-se que assim estava no artigo 27, criando o então artigo 115, no inciso IV:Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: IV – as ações relativas a acidente de trabalho, doença profissional e de adequação ambiental para resguardo da saúde e da segurança do trabalhador.

 

Porém, em razão da votação do REQUERIMENTO DE DESTAQUE Nº 121 (do Deputado Ricardo Barros), a Relatora Deputada Zulaiê Cobra, assim se pronunciou:

Sr. Presidente, fizemos um acordo este destaque é do PTB: acho que o Deputado Luiz Antonio Fleury vai falar a respeito, para que as ações relativas a acidente de trabalho continuem na Justiça Estadual, onde se encontram.

Assim sendo, meu texto, prevendo que essas ações seriam julgadas na Justiça do Trabalho, cai. Concordo com esta emenda aglutinativa, que é o detaque da bancada. Portanto, o texto cai, para dar vazão a que as ações relativas a acidente de trabalho continuem sendo julgadas na Justiça Estadual.

 

Então, a alteração já não passou pela Câmara dos Deputados.

 

E, veja-se, quisesse o legislador constitucional passar os acidentes/doenças do trabalho para a competência da Justiça Laboral, bastaria:

 

a) : :retirá-los do inciso I do artigo 109, o que até foi tentado, como se lê do REQUERIMENTO Nº 599, de 2002, Destaque para Votação em Separado, EMENDA nº 152, aí já perante o Senado Federal, quando a PEC tomou o nº 29/2000:

 

Suprima-se, do inciso I, do art. 109 da Constituição Federal, a expressão “... as de acidente de trabalho”...”. EM decorrência, acrescente-se o seguinte inciso VII-A, ao art. 115, constante do art. 24 da PEC 29, de 2000:

“Art. 115. .........................................................

VII-A – Ações relativas aos acidentes de trabalho, doença profissional, e de adequação ambiental para resguardo da saúde e da segurança do trabalhador, “

A emenda referida deve ser rejeitada. O argumento principal dessa irresignação é de ordem lógico-jurídica.

A redação do art. 109, I, da Constituição Federal, excepciona da Justiça Federal a competência para processar e julgar as causas relativas a acidentes do trabalho, como claramente emerge da redação da prescrição constitucional, que reproduzimos abaixo:

Art. 109 ...

Nessa linha, a adoção da emenda vai representar uma eliminação da exceção, tendo potencial para gerar intensos debates acerca da competência remanescente para a matéria.

b) : :incluir os acidentes/doenças do trabalho no inciso IV do novo artigo 114:

c) : :fazer as duas coisas.

 

Nenhuma delas ocorreu, como se vê da redação final promulgada.

 

Em resumo, utilizando-se uma interpretação literal, sistemática e teleológica, não houve modificação da competência para apreciação e julgamento dos acidentes/doenças de trabalho pela Justiça Estadual.

 

E esse é o entendimento de nosso e. Tribunal de Justiça, através de decisões monocráticas proferidas pelos demais ilustres Integrantes das duas Câmaras que julgam a matéria (Nona e Décima Câmaras Cíveis), Desembargadores Jorge Alberto S. Pestana :(nºs 70011074317 e 70011044823): Luis Augusto C. Braga (nºs 70011158599 e 70010892404): Íris Helena M. Nogueira (nºs 70011195419 e 70011195831): e Luiz Ary V. Lima (nºs 70011101375 e 70011152675), firmando a competência da Justiça Estadual para conhecer e julgar das demandas concernentes a acidentes/doenças laborais.

 

O c. Supremo Tribunal Federal também já decidiu, por maioria, em plenário, que a competência continua sendo da Justiça Comum Estadual (RE 438639/MG – 09/03/2005).

 

E a 4ª Turma do e. Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, em julgamento de recurso interposto pelo Banco Rural, seguiu no mesmo rumo (16.03.2005).

 

Destarte, são essas as razões pelas quais declaro a competência desta Vara especializada para processar e julgar a presente ação.

 

Intimem-se.

 

No mais, aguarde-se a audiência.

 

Em 31/03/2005.

 

Lusmary Fátima Turelly da Silva

Juíza de Direito


SILVA, Lusmary Fátima Turelly da Silva. Ações acidentárias – Competência da Justiça comum – Sentença. Revista Páginas de Direito, Porto Alegre, ano 5, nº 262, 25 de Mai de 2005. Disponível em: https://www.paginasdedireito.com.br/artigos/todos-os-artigos/acoes-acidentarias-competencia-da-justica-comum-sentenca.html
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Editores: 
José Maria Tesheiner
(Prof. Dir. Proc. Civil PUC-RS Aposentado)

Mariângela Guerreiro Milhoranza da Rocha

Advogada e Professora Universitária

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